Blog Jogos: origem, história e downloads, de autoria
de Álaze Gabriel.
Autoria:
Maria
Carmen Silveira Barbosa. Professora
assistente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
INTRODUÇÃO
A
temática tratada neste livro Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação é
extremamente atual e é muito oportuna a sua publicação, na medida em que, nos
últimos anos, essas questões têm sido abordadas principalmente por autores da
área da psicologia e/ou da educação física (no que se refere à
psicomotricidade), e muito pouco tem sido produzido com respeito a uma
abordagem educacional.
O
título é muito interessante, pois trabalha com a ambivalência, ou a confusão,
muito comum aos termos citados. Jogo? Brinquedo? Brincadeira? Serão sinônimos,
ou existem diferenças entre cada um deles? Acredito que essa é uma dúvida que
muitos educadores possuem e portanto torna-se um convite à leitura dos textos.
O
livro é uma coletânea de trabalhos elaborados por autores vinculados ao Grupo
Interinstitucional sobre o Jogo na Educação, com sede na Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo. Como todos os autores pertencem ao grupo, suas
referências teóricas têm certa proximidade, mas como também são profissionais de
diversas áreas e utilizam-se de suportes teóricos de sua área de origem – o
que, de certa forma, enriquece e pluraliza as concepções acerca do tema – aparecem
também diferenças. Acredito ser importante mostrar essa pluralidade de olhares
sobre o tema, pois temos encontrado algumas coletâneas, em que os autores
produzem seus textos a partir de uma bibliografia comum, mas que, pelo fato de
os artigos serem produzidos individualmente, acabam tornando-se repetitivos e,
muitas vezes, apresentam uma superposição de conceitos e citações.
O
livro inicia-se com uma apresentação dos artigos, complementada no final da
edição com os dados dos autores, que poderia ser mais precisa quanto às datas
de produção dos trabalhos. Para poder analisá-los, dentro dos limites de uma
resenha, resolvi trabalhar com grupos temáticos e utilizei, apenas
parcialmente, a ordem de apresentação dos artigos no livro.
O
livro divide-se basicamente em três grupos de artigos: o primeiro compõe-se de
artigos que tratam do tema relacionando-o à educação infantil; o segundo grupo
de artigos é formado por aqueles que trabalham com crianças com necessidades
especiais; e um terceiro grupo discute o tema a partir do ângulo da formação
docente. Há também um artigo, quase estrangeiro, que trata da educação
matemática.
A
proposta do livro é que o leitor possa valorizar "os jogos na educação, ou
seja, brinquedos e brincadeiras como formas privilegiadas de desenvolvimento e
apropriação, conhecimento pela criança e, portanto, instrumentos indispensáveis
da prática pedagógica e componente relevante de propostas curriculares"
(p. 11).
JOGO, BRINQUEDO E BRINCADEIRA &
EDUCAÇÃO INFANTIL
A
educação infantil é um espaço privilegiado para falar dessa temática; afinal,
dentro do sistema de ensino, a educação infantil, ou a pré-escola como também é
chamada por alguns autores, é um dos poucos lugares onde o lúdico ainda é visto
como apropriado, ou mesmo "inerente" ou "natural".
O
primeiro artigo desse grupo denomina-se "O jogo e a educação
infantil" e foi escrito pela organizadora Tizuko M. Kishimoto. É um
artigo interessante, pois trata de questões básicas, como por exemplo
definir/conceituar o jogo, o brinquedo e a brincadeira, uma tarefa extremamente
difícil de ser feita na medida em que estes conceitos e as palavras que os
significam não são precisos nem em nossa língua portuguesa nem em grande parte
das demais. Essa imprecisão na linguagem, nos conceitos lingüísticos,
constrói-se a partir das complexas relações com o projeto histórico-social e
cultural em que as práticas do jogo e do brincar são exercidas e que também não
estão tão definidas. A própria autora trata de demonstrar a dificuldade da
conceituação. Para tanto, busca essa definição em vários autores que produziram
conceitos em diferentes tempos históricos e espaços geográficos. Este recorrido
dá ao leitor uma série de informações, cabendo a ele realizar uma reflexão
comparativa. Finalmente, a autora apresenta a sua definição dos termos (nem
sempre compartilhada por todos os autores da coletânea), e que não é
inteiramente por mim acordada, pelo menos no que se refere à linguagem e à(s)
cultura(s) brasileira(s).
A
segunda parte do texto procura situar historicamente, na Europa, o papel
representado pelo jogo, sendo que a autora faz o seu principal recorte nas
concepções prévias ao movimento romântico e naquelas posteriores a ele.
Apresenta-nos as passagens do jogo pelas diferentes áreas do conhecimento, como
a filosofia, a biologia, a psicologia, a sociologia, a antropologia e a
educação. Acho um pouco excessiva a citação de tantos autores, pois não há como
aprofundar, nos limites de um artigo, as aproximações e as diferenças entre
eles, e também as contextualizações ficam novamente a cargo do leitor, embora a
variada bibliografia apresentada possa servir como indicação para o
aprofundamento no tema.
Há
ainda uma terceira parte no artigo, onde são apresentadas "algumas
modalidades de brincadeiras presentes na educação infantil". Nela são
citados: o brinquedo educativo, a brincadeira tradicional, a brincadeira de
faz-de-conta e a brincadeira de construção.
O
segundo artigo, de Marina Célia Moraes Dias, "Metáfora e pensamento:
Considerações sobre a importância do jogo na aquisição do conhecimento e
implicações para a educação pré-escolar", é muito interessante,
pois a autora, a partir de uma leitura das grandes dicotomias da educação,
consegue, trazendo contribuições da filosofia, da estética e da política, fazer
uma contraproposta para a educação infantil através da releitura das
possibilidades do jogo.
O
jogo, nesse texto, vincula-se ao sonho, à imaginação, ao pensamento e ao
símbolo. É uma proposta para a educação de crianças (e educadores de crianças)
com base no jogo e nas linguagens artísticas. Texto fundamental para leitura e
reflexão num momento de proposições pedagógicas para a educação infantil tão
baseado na cópia do modelo escolar de 1o grau. A concepção da
autora sobre o homem como ser simbólico, que se constrói coletivamente e cuja
capacidade de pensar está ligada à capacidade de sonhar, imaginar e jogar com a
realidade, é fundamental para propor uma nova "pedagogia da criança".
A autora vê o jogar como gênese da "metáfora" humana. Ou, talvez,
aquilo que nos torna realmente humanos.
O
terceiro e último artigo desse bloco chama-se "A brincadeira de
faz-de-conta: Lugar do simbolismo, da representação, do imaginário", de
Edda Bomtempo. É um artigo que trata, como diz o título, da brincadeira do
faz-de-conta, essa experiência que nos torna seres simbólicos, humanos e
metaforizados. A autora inicia apresentando a brincadeira, suas
características, e procura na literatura universal a presença desse tipo de
brincadeira. Depois, na busca de referências teóricas explicativas para esse
tipo de ação humana, ela tem encontros com Piaget e Vygotsky, por um lado, e,
por outro, com S. Freud e Melanie Klein. O faz-de-conta é tratado então como a
possibilidade na construção do homem de ser a ponte entre a fantasia e a
realidade.
CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS & O
JOGO, O BRINQUEDO E AS BRINCADEIRAS
O
segundo grupo de artigos trata da questão do jogo, do brinquedo e da
brincadeira, e suas articulações com as crianças com necessidades especiais: a
pedagogia, a psicopedagogia, a avaliação, o fracasso escolar, as propostas
curriculares e outros temas percorrem esta seção.
O
texto "O jogo e o fracasso escolar", de Sahda Marta Ide,
inicia tratando dos testes-padrão de medidas de inteligência e seu
questionamento como instrumento adequado para a avaliação das crianças
portadoras de deficiências. A autora indica, como saída desse ciclo
"avaliação por testes e medidas e diagnóstico de fracasso escolar", a
procura das causas desses fracassos e encontra, na bibliografia estudada,
algumas generalizações com referência às famílias, às escolas, à atitude do
educador e, a partir dessa análise de "causas do fracasso escolar",
propõe alternativas educacionais de reversão dessa situação. Segundo a autora,
o elemento central para essa ação diferenciada, destinada à desestigmatização,
seria o da mediação, tanto a humana, como a instrumental. E é na instrumental
que aparece o jogo como recurso fundamental na educação de crianças deficientes
mentais.
O
artigo seguinte, "O uso de brinquedos e jogos na intervenção
psicopedagógica de crianças com necessidades especiais", de Leny
Magalhães Mrech, de certa forma aprofunda aquilo que foi anteriormente
analisado. A autora faz uma crítica contundente aos conceitos piagetianos mais
divulgados nos cursos superiores, tais como estágios do desenvolvimento, e
todos aqueles que tiveram formação acadêmica, nessa área, nas últimas décadas
são testemunhas desse empobrecimento da epistemologia genética. Para se
contrapor a essa tendência, a autora propõe a noção de equilibração e a
reequilibração das estruturas cognitivas como conceito central dessa concepção
de construção do conhecimento. Discute os universalismos das teorias que nos
amarram e propõe a busca de singularidades. Nesse momento, ela busca a
psicanálise, trazendo o desejo, o outro, o não-saber, e, de forma muito
interessante, passa da visão da alienação individual para a alienação social e
cultural utilizando R. Barthes e P. Bourdieu.
A
necessidade da desnaturalização dos lugares de saber e não saber, de
aprendentes e ensinantes e da dialética dessas relações individuais e sociais é
fundamental para pensar a construção do conhecimento. Os jogos, os brinquedos e
os materiais pedagógicos são analisados quanto à sua possibilidade de
interferir nas estruturas de alienação social e individual do saber – estereotipias,
relações transferenciais, estruturado ou estruturante.
Depois
a autora apresenta a noção de modalidade de aprendizagem, isto é, o tipo de
relação que cada sujeito, a partir da sua própria história, constrói ao
conhecer o mundo, conceito este desenvolvido por Alícia Fernandes a partir da
psicanálise e da psicologia genética.
O
texto conclui com a análise das relações das modalidades de aprendizagem e as
ofertas de "ensinagem" e coloca as experiências com jogos e materiais
pedagógicos como modos de "pluralização" destas modalidades e também
com um apelo ao trabalho educacional voltado ao desenvolvimento das diversas
formas da inteligência.
O
texto "O jogo na organização curricular para deficientes mentais",
de Maria Luisa Sprovieri Ribeiro, inicia com uma análise das
práticas tradicionais de atendimento às crianças com necessidades especiais e
com resistências pessoais e sociais a uma mudança de concepção deste tipo de
atendimento.
Utilizando-se
de características do jogo, de acordo com Gilles Brougére, tais como a
necessidade de espaço, papéis, materiais e tempo do jogo para pensar o
currículo, denuncia a "cultura" do trabalho individualizado, isto é,
isolado, do educador de crianças com necessidades especiais, que não está
presente nos debates dos demais educadores e áreas de conhecimento dentro das
escolas. Denuncia esta experiência de prática social de educador como criador
único do currículo ou criatura que aplica os currículos dos tecnocratas. Para a
autora, é necessário ousadia nos professores de educação especial para que
utilizem na construção de suas propostas educativas as discussões coletivas e
contemporâneas de currículo e quebrem uma visão tão "conformada"
desse tipo de atendimento educativo.
A FORMAÇÃO DO EDUCADOR ATRAVÉS DA VIVÊNCIA,
DA DISCUSSÃO E DA REFLEXÃO DO JOGO
Os
últimos capítulos do livro tratam do jogo na formação dos professores. O
primeiro deles, "Brincadeiras e brinquedos na TV para crianças:
Mobilizando opiniões de professores em formação inicial", de Maria
Felisminda de Rezende e Fusari, tem como meta a educação do educador para a
leitura das "vivências comunicacionais de seus alunos", e afirma que
a formação dos professores pode gerar novas formas, mais competentes e
criativas, de os alunos interagirem com multimeios. Há entre alunos e meios de
comunicação uma teia de transmissões e influências que não são de simples causa
e efeito ou unívocas, mas de interinfluências, e essas devem ser aproveitadas
para uma melhor formação do cidadão.
A
autora relata uma pesquisa feita com futuros educadores de nível universitário
ou de 2o grau na qual é feita a análise de trecho de vídeo do
Xou da Xuxa, em que aparece uma situação de jogo competitivo. A partir
da análise feita pelas alunas, uma visão de mídia e de jogo é constituída. Uma
nova maneira de ver o meio – a televisão – e o programa – Xou da Xuxa –
se constitui.
Em
"Jogo e formação de professores: Videodrama pedagógico",
Heloísa Dupas Penteado relata uma experiência com alunos de prática de ensino
na qual foi usado o videodrama pedagógico, derivação do psicodrama, com o
objetivo de fazer o aluno de 3o grau refletir tanto sobre sua
prática como aluno como sobre seu papel de professor.
O
relato é interessante na medida em que essas provocações promovidas pela
vivência, na própria formação do professor e em sua vida afetiva e intelectual
de adulto, auxiliam a reconhecer as muitas formas de entender a cena
educacional, a afiar a sua sensibilidade ao jogar.
EDUCAÇÃO: LÚDICA OU SÉRIA
O
texto "A séria busca no jogo: Do lúdico na matemática",
de Manoel Oriosvaldo de Moura, é de educação matemática, mas não apenas isso.
Apesar de ter divergências quanto à questão de serem ou não modismos a etnomatemática
e a modelagem matemática, e de discordar que o uso de materiais pedagógicos
está mais presente no século XX, gostei muito do trabalho do autor. Ele trata
com propriedade de duas questões centrais na relação jogo e educação: a
primeira diz respeito ao fato de que o jogo, em uma proposta educativa, nunca
pode estar dissociado "do conjunto de elementos presentes no ato de
ensinar" (p. 74), isto é, ele deve estar localizado na totalidade de um
projeto educacional. E para justificar a sua argumentação, procura na história
da educação, e na história da educação matemática, exemplos que demonstram essa
afirmação. A outra questão, também muito bem trabalhada, é a da seriedade do
jogar e os diferentes usos do jogo e seus vínculos com concepções de aprendizagem.
A visão da superação do jogo como elemento/recurso e a construção de seu papel
como incorporado ao ensino como um todo são algo que justifica a presença desse
artigo na coletânea. Sua localização no final da minha escrita justifica-se
pela síntese que o autor faz de idéias que perpassam todo o conjunto da obra.
FINALIZANDO
Encontramos
no livro uma polifonia com vozes que falam aos quatro ventos sobre o tema. Isto
é bom. É jogo e é brincadeira. Talvez uma das características centrais do livro
seja a aproximação do jogo às teorias, e não apenas uma listagem dissociada de
receitas de brincadeiras, e a proposição de alternativas de lugar para o jogo,
tanto nas propostas de ensino, com alunos de diversos níveis, como na própria
formação do educador. Penso que dessa tríade, jogo, brincadeira e brinquedo, o
último foi o menos explorado nos diferentes artigos. Fica este tema como
sugestão para uma próxima coletânea, ou, quem sabe, a escrita coletiva de um
livro, pois gostaria muito de vê-los produzindo não individualmente, cada um o
seu próprio artigo, mas jogando com os conceitos e as noções, pois a
originalidade dos enfoques, as singularidades das visões contribuiriam, de
forma enriquecedora, para a continuidade da discussão dessa temática.