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“Jogos: Origem, História e Downloads”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Autoria:
Fernanda
Tomie Icassati Suzuki; Marcelo Vieira Matias; Maria Teresa Araujo Silva; Maria
Paula Magalhães Tavares de Oliveira. Universidade de São Paulo (USP),
Instituto de Psicologia.
RESUMO GERAL
OBJETIVO:
Avaliar uso de jogos eletrônicos (videogames, jogos de computador e
internet) em uma amostra de universitários.
MÉTODO:
Um questionário a respeito de comportamentos relacionados ao uso de jogos
eletrônicos, contendo a escala Problem Videogame Playing (PVP), foi aplicado em
100 alunos da Universidade de São Paulo (USP).
RESULTADOS:
A maioria (83%) relatou ter jogado no último ano, dentre a qual 81,9% eram
homens, 51,8% jogavam de 1 a
2 horas por sessão; 74,4% afirmaram que jogar não interfere em seus
relacionamentos sociais e 60,5%, que o uso de jogos violentos não influencia
sua agressividade. Os estudantes dividiram-se entre jogadores ocasionais e
frequentes, diferenciando-se por duração de cada sessão, jogo preferido,
motivação para jogar, e influência do jogo na vida social. Cerca de 5%
relataram só parar de jogar quando interrompidos, normalmente jogar mais de 4
horas por sessão e se relacionar mais com amigos virtuais, sugerindo maior
envolvimento com a atividade. Na escala PVP, 15,8% da amostra preencheu mais da
metade dos itens, indicando consequências adversas associadas ao uso dos jogos
eletrônicos.
CONCLUSÃO:
Observou-se que o uso de jogos eletrônicos é comum entre os estudantes da USP e
que uma parcela apresenta problemas relacionados ao excesso de jogo.
Palavras-chave:
Videogame, jogos eletrônicos, dependência, estudantes universitários.
INTRODUÇÃO
Com
o crescimento da indústria de jogos eletrônicos, como videogames e jogos
para computador e internet, muito se especula a respeito da influência de tais jogos
no comportamento do jogador, havendo inclusive debate sobre o potencial
adictivo do jogo. De modo geral, podemos classificar esses jogos como um tipo
de mídia condizente com a atualidade; são atividades que contam cada vez mais
com avanços tecnológicos, têm uma estética própria bem desenvolvida,
possibilitam novos tipos de interação presencial ou virtual e oferecem uma
contingência de rapidez entre estímulo e resposta. Além disso, apresentam uma
grande diversidade, desde jogos que requerem atividade eminentemente
sensório-motora, até aqueles que exigem do jogador grande capacidade
estratégica e de entendimento de regras. É cada vez mais frequente a presença
dos jogos eletrônicos em atividades de lazer, no desenvolvimento de habilidades
e em atividades didáticas. Além disso, o fenômeno dos jogos eletrônicos tem
estreita relação com o uso da internet, uma vez que grande parcela dos jogos
existentes pode ser praticada por essa via.
O
uso excessivo de videogames e jogos de computador e internet, doravante
chamados de jogos eletrônicos, é um comportamento que tem sido estudado sob
o prisma dos comportamentos adictivos, tal como o jogo patológico,
demonstrando similaridades com drogadicções. A presente pesquisa teve como
objetivo investigar a prática desses jogos eletrônicos (excluindo jogos de
azar) e eventuais consequências desse hábito entre estudantes universitários
brasileiros.
Em
estudo conduzido sobre uma emergente adicção em estudantes na década de 80,
Soper e Miller1 argumentaram que jogos eletrônicos são
potencialmente adictivos e bastante distintos de qualquer outra dependência
comportamental. Visando estudar o uso de videogames em crianças em idade
escolar, Phillips e Griffiths2 observaram diferença significativa de
gênero: meninos eram 1,4 vez mais propensos a admitir que jogavam do que as
meninas; jogavam mais tempo por sessão, mais vezes por semana e assumiam mais
que deixavam de fazer lição de casa para jogar. Sete e meio por cento das
crianças que participaram do estudo apresentaram problemas relacionados ao
jogo. Os autores se questionaram se esse perfil persistiria depois da
adolescência e se existiria relação com outros comportamentos adictivos.
Utilizando escala adaptada dos critérios para diagnóstico de jogo patológico do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM III-R), Griffiths
e Hunts3 realizaram uma pesquisa com 387 adolescentes americanos, de
12 a 16
anos, visando estimar a prevalência de dependência em jogos de computador. A
análise dos resultados indicou que 19,9% da amostra preenchia critérios de
dependência e relatou ter começado a jogar significativamente mais cedo do que
o restante da amostra. Além disso, reportou-se que meninos jogam mais que
meninas e que possuíam maior probabilidade de serem classificados como
dependentes. Visando um instrumento claro e preciso para investigar
problemas relacionados ao uso excessivo de jogos eletrônicos, Salguero e Morán4
propuseram a escala Problem Video Game Playing (PVP), elaborada a partir
de revisão dos critérios diagnósticos para dependência de drogas e para jogo
patológico do DSM-IV. Através de análise fatorial, verificaram que os 9 itens
da escala PVP mediam um único construto e que alta pontuação na escala
foi correlacionada com alta frequência de jogo; média alta de tempo
jogado; maior tempo jogado em uma única sessão; percepção do próprio
participante e de seus familiares quanto a um possível uso excessivo dos jogos
eletrônicos; além de pontuação alta na Severity of Dependence Scale.
Os autores concluíram que o jogo excessivo está associado a uma série de
fatores que lembram síndrome de dependência.
Outro
tema importante que tem chamado a atenção é a possível relação entre jogos
eletrônicos e violência. Discute-se a influência de jogos eletrônicos sobre o
comportamento do jogador, questionando-se a probabilidade de jogos com temas
violentos induzirem seus usuários a emitir comportamentos violentos. Revisões
de literatura indicam resultados divergentes. Alguns estudiosos afirmam que videogames
com conteúdo violento têm relação com um aumento de comportamentos, pensamentos
e afetos violentos, aumento de excitação fisiológica e diminuição de
comportamentos pró-sociais5. Outros atentam para o fato de que a
suposição de que jogos com conteúdo violento levam a conduta violenta pode
estar baseada na ideia de que, ao jogar, o indivíduo identifica-se com o
personagem, libertando-se das amarras sociais que o impediam de entrar em um
estado selvagem de violência6. Outros autores, por sua vez, lançam a
hipótese de que a prática de jogos eletrônicos seria válvula de escape de
pensamentos e condutas agressivas7. No entanto, há quem sustente a
tese de que o jogo violento pode não ter uma consequência direta na
agressividade do jogador, porém, pode provocar hostilidade dele com o mundo a
sua volta8. O jogo violento poderia estimular o indivíduo a imaginar
que há riscos e perigos escondidos pelo mundo inteiro, diminuir sua capacidade
de julgamento e provocar ideias agressivas9.
A
relação entre videogame e relações sociais é outro aspecto interessante
que vem sendo objeto de estudo. O uso de jogos eletrônicos tem sido associado a
dificuldades de socialização. O termo "amizade eletrônica" foi
cunhado para designar esse tipo de relação que alguns jogadores estabelecem, ao
envolver-se no jogo em detrimento de manter relações com outras pessoas10.
Seriam indivíduos que apresentam dificuldades sociais ou emocionais, que
utilizam os jogos para escapar, muitas vezes substituindo interações sociais da
vida real pela vida virtual, que provocaria menos ansiedade11-13,.
No entanto, esse tema é controverso, uma vez que outros estudos relatam relação
positiva entre indicadores de saúde psicossocial e grupos de jogadores, em
comparação a grupos de não jogadores8,14. Há quem afirme que os
jogos representam na verdade uma forma alternativa de socialização e
colaboração para a maioria das pessoas15.
É
interessante notar que a maioria das pesquisas nessa área estuda crianças e
adolescentes. Poucos são os estudos que investigam os hábitos de universitários
em relação aos jogos eletrônicos, não havendo nenhum estudo brasileiro. A
presente pesquisa pretendeu realizar um estudo exploratório com essa população,
investigando a prática de jogos eletrônicos e suas eventuais consequências, incluindo
questões relacionadas à socialização e relação com a violência possivelmente
induzida por alguns tipos de jogos.
MÉTODO
Trata-se
de um estudo descritivo de corte transversal. A amostra da pesquisa foi
constituída por 100 estudantes da Universidade de São Paulo. Para se
submeter à pesquisa, os estudantes leram e assinaram um termo de consentimento
livre e esclarecido. Foi utilizado um questionário, anônimo e de
autopreenchimento, no qual constavam 18 perguntas sobre comportamentos
relacionados ao uso de jogos eletrônicos (videogames, jogos de
computador e internet) e 9 questões que compõem a escala Problem Video
Game Playing (PVP)4, traduzida para o português para o presente
estudo. A coleta de dados foi realizada na Universidade
de São Paulo. Foram abordados 135 estudantes, sendo que 35
recusaram-se a participar do estudo. Os questionários foram aplicados em
horário de almoço, nos quatro restaurantes da universidade, de forma a permitir
uma amostra diversificada, composta por estudantes de diferentes cursos.
Os participantes foram abordados pelos pesquisadores, de forma aleatória,
na entrada ou saída dos restaurantes. Foram instruídos a responder às perguntas
do questionário e, em caso de dúvida, consultar a pessoa responsável pela pesquisa
ou deixar a questão em branco. Os questionários respondidos e os
termos de consentimento foram depositados em urnas.
Para
a análise dos resultados foi utilizado o programa estatístico Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS). Para fins de comparação, os
entrevistados foram divididos em dois grupos, conforme a frequência com que
jogaram videogames. Aqueles que jogaram até uma vez por semana foram
classificados como jogadores ocasionais e os que jogaram com frequência maior
que isso, como jogadores frequentes. Outra análise foi realizada de
acordo com a pontuação na escala PVP. Os participantes que responderam
positivamente a 5 ou mais itens da escala foram agrupados e chamados de
prováveis jogadores dependentes de videogame, e os demais,
agrupados e chamados de jogadores sociais. Devido ao limitado número de
participantes, em muitas questões, a comparação não foi possível. Na comparação
de duas variáveis foi utilizado o teste exato Fisher e, na presença de três ou
mais variáveis, foi utilizado o teste de qui-quadrado de Pearson. Para
verificar possíveis correlações foi utilizado o coeficiente de Spearman. Foi
considerado p menor ou igual a 0,05 para significância estatística.
Todas as provas foram bicaudais.
RESULTADOS
As
características sociodemográficas da amostra são apresentadas na Tabela
1. A média da idade encontrada foi de 21,43 anos (dp=3,59). A
maioria dos estudantes abordados (83%) revelou que jogou jogos eletrônicos nos
últimos 12 meses e observou-se que, dentre esses, havia uma predominância
significativa de homens (p<0,001).
Os
dados que seguem referem-se à parcela da amostra que jogou jogos eletrônicos
nos últimos 12 meses (n=83).
A
Figura
1 apresenta a frequência com que os estudantes relataram jogar jogos
eletrônicos.
Aproximadamente
metade dos estudantes (51,8%) relatou que jogava, em média, de 1 a 2 horas em cada sessão,
sendo que 25,3% afirmaram jogar até 1 hora, 18,1% de 2 a 3 horas e 4,8% afirmaram
que jogam 3 horas ou mais. Comparando os jogadores, observou-se que aqueles
classificados como jogadores frequentes relataram ficar mais horas em cada
sessão do que jogadores ocasionais (X2=9,363, g.l.=2,
p<0,01). Questionados sobre o maior tempo que já jogaram videogame
em uma única sessão, a mediana obtida foi de 5,75 horas, sendo que um
participante afirmou ter jogado por 72 horas consecutivas.
A
Figura 2
mostra os tipos de jogos eletrônicos que os estudantes costumam jogar.
Observou-se que os jogos de ação e de estratégia foram os únicos assinalados
por mais da metade da amostra. Comparando-se os dois grupos, temos que
jogadores frequentes costumam jogar mais jogos de estratégia
(p<0,000), Role Playing Games (RPG) (p<0,01) e jogos
relacionados a esportes (p<0,05) do que os jogadores ocasionais.
Em
relação aos períodos em que jogam videogames, a maioria dos
participantes (74,4%) joga à noite, 40,2% jogam à tarde, 29,3% jogam de
madrugada e 11% jogam pela manhã. O local de jogo mais frequente foi o
quarto (55,4%), seguido pela sala (38,6%), casa de conhecidos
(28,9%), trabalho/faculdade (16,9%) e lanhouses (6%). Nenhum desses
fatores diferenciou jogadores frequentes de ocasionais.
Com
relação ao autocontrole sobre o jogo, 95,2% dos participantes afirmaram que
conseguiam parar de jogar sozinhos, ou seja, que não precisavam que outras
pessoas os interrompessem.
Os
principais aspectos que motivam o participante a jogar videogame são
apresentados na Tabela
2.
Foi
encontrada correlação entre jogadores que afirmaram jogar jogos de estratégia e
do tipo RPG e aqueles que listaram o desafio de superar etapas entre os motivos
que os levam a jogar (r = 0,03, p<0,01 e r = 0,25, p<0,05,
respectivamente).
Questionados
sobre a influência de jogos violentos sobre seu comportamento, a maioria
dos estudantes (60,5%) relatou sentir-se indiferente após jogar um jogo
violento, enquanto que 8,6% disseram que se sentem mais relaxados e 7,4%
assumiram que se sentem mais agressivos. Em relação ao aspecto social, a
maioria dos participantes (74,4%) respondeu que jogar videogame não
interfere no seu relacionamento com seus amigos "reais"; 11% disseram
que passaram a se relacionar mais com os amigos "virtuais" e 4,9%
relataram que passam menos tempo com os amigos "reais". Comparando os
dois grupos, notou-se que mais jogadores frequentes relataram que o uso de
jogos eletrônicos interferiu em seus relacionamentos sociais (p<0,01), e que
passaram a relacionar-se mais com jogadores virtuais após começarem a prática
de jogos eletrônicos (p<0,05) do que jogadores ocasionais.
Quanto
às atividades de lazer dos estudantes, as
mais frequentes foram: "Navegar na internet" (77,1%,
diariamente) e "Ler ou ouvir música" (68,7% diariamente), sendo que a
maioria dos participantes afirma que sai com os amigos uma vez ou mais por
semana (63,4%) e grande parte afirmou que pratica esportes uma vez ou mais
por semana (48,2%).
A
média da pontuação na escala PVP foi de 2,55 (DP=1,74), sendo que
a maioria dos jogadores apresentou o escore de até 3 pontos (74,4%) e
15,8% dos participantes tiveram o escore de 5 ou mais. Quanto à frequência
de jogo, observa-se que a média de escore obtido pelos jogadores ocasionais foi
de 2,16 (DP=1,72) e a dos jogadores frequentes foi de 3,12 (DP=1,63). Essa
diferença foi estatisticamente significativa (p<0,01).
A
Tabela 3
apresenta a frequência com que cada item da PVP foi assinalado.
Procurando
verificar se jogadores que preencheram mais itens da escala PVP se
diferenciavam dos outros quanto a outras variáveis pesquisadas, observou-se
que os denominados prováveis jogadores dependentes de videogame
se diferenciaram dos jogadores sociais quanto às seguintes variáveis:
jogar mais jogos de estratégia (p<0,05), jogar mais RPG (p<0,05),
jogar pelo prazer no desafio de superar etapas (p<0,05)
e pela possibilidade de jogar com amigos, sejam eles virtuais (p<0,05)
ou reais (p<0,05). Nas questões da escala PVP, chamou atenção o fato de um
único item não distinguir jogadores sociais dos prováveis dependentes de videogame:
o item VI relativo à necessidade de jogar novamente diante de uma derrota ou
incapacidade de alcançar o objetivo desejado (p >0,1), que foi assinalado
por 56,8% da amostra.
DISCUSSÃO
No
presente estudo observou-se que jogos eletrônicos, de videogame,
computador e/ou internet foram praticados pela maioria dos estudantes
universitários pesquisados, sugerindo que o padrão encontrado em crianças em idade
escolar4 e em adolescentes6 parece persistir depois da
adolescência, não estando relacionado à idade dos participantes. Jogos
eletrônicos parecem fazer parte do cotidiano dessa amostra de estudantes, que
joga preferencialmente jogos de ação e estratégia, em casa e à noite, e refere
praticar a atividade para relaxar, se distrair, e pelo prazer no desafio de
superar etapas, além do prazer de jogar com amigos. Dentre as diversas
atividades de lazer praticadas, observou-se que navegar na internet passou a ser
atividade diária, em detrimento de atividades como assistir TV. Observou-se
também que jogar jogos eletrônicos foi mais popular entre os homens do que
entre mulheres, dado que coincide com outros estudos2,3,16. Os
estudantes dividiram-se em duas frequências distintas de jogo: jogadores
ocasionais e jogadores frequentes, tendo sido possível observar diferenças
significativas entre os grupos, sugerindo a possibilidade de perfis distintos
de envolvimento com jogos eletrônicos. Essas diferenças talvez apontem para
fatores de risco para dependência de jogo eletrônico.
Um
número significativamente superior de estudantes classificados como jogadores
frequentes afirmou jogar mais tempo por sessão, preferir jogos de estratégia,
RPG e esportes, jogar pelo desafio em superar etapas e pela possiblidade de
jogar com amigos do que os classificados como jogadores ocasionais. Jogos do
tipo Role Playing Games (RPG) e os Massive Multiplayer On-line
Role-Playing Game (MMORPG), que permitem vários jogadores simultaneamente,
têm chamado a atenção pelo fato de serem populares entre jogadores que
apresentam uso excessivo de jogos eletrônicos12. Acredita-se que
MMORPGs possuam alto potencial de provocar dependência por promoverem uma
contingência de condicionamento operante intermitente, uma vez que os
acontecimentos do jogo são imprevisíveis; por serem jogados on-line,
permitindo a formação de laços sociais, e promovendo, portanto, reforçamento
social; e ainda por apresentar propriedades imersivas, ou seja, os jogadores
adentram um ambiente alternativo17. Outro aspecto que parece
contribuir para esse potencial adictivo dos jogos eletrônicos, presente em
jogos de RPG e também em jogos de estratégia, é o componente de avanço, ou
seja, a necessidade de progredir e superar etapas14. Coincidindo com
esses dados, no presente estudo houve correlação positiva entre entrevistados
que afirmaram jogar jogos de RPG e estratégia e aqueles que afirmaram ser
atraídos aos jogos pelo prazer no desafio de superar etapas.
A
possibilidade de fazer amigos também diferenciou os estudantes: mais jogadores
classificados como frequentes relataram que jogar videogame interfere
nos seus relacionamentos sociais e que se relacionam mais com amigos virtuais
do que jogadores ocasionais. Cerca de 5% dos jogadores relataram que passam
menos tempo com os amigos "reais", indo ao encontro da hipótese que
sugere que esses jogos podem substituir relacionamentos sociais e encorajar o
isolamento18. No entanto, a maioria dos participantes respondeu que
a prática de jogos eletrônicos não interfere no seu relacionamento com seus
amigos "reais"; corroborando hipótese de que possibilitariam novas
formas de socialização19.
Apesar
de o presente estudo ter sido realizado com população universitária, a média da
pontuação na escala PVP (M=2,55, DP=1,74) assemelhou-se à encontrada entre
adolescentes4 (M=2,70, DP=1,94 para meninos e M=1,50 e DP=1,52 para
meninas) e foi inferior à encontrada por outro estudo on-line14,
no qual se aplicou a escala em uma amostra de participantes de diversas
nacionalidades entre 18 e 60 anos (M=4,17, DP=2,19).
Os
itens significativamente mais assinalados por jogadores frequentes do que
ocasionais na escala PVP sugerem que a atividade de jogar está interferindo na
vida do jogador e que talvez pudessem ser considerados sinais de alerta para
atividade de risco. Quando se comparou estudantes que preencheram mais da
metade da escala PVP, os prováveis dependentes de videogame, com os
demais, observou-se que preencheram mais todos os itens, exceto um,
evidenciando diferente envolvimento com a atividade. O item VI, que não
diferenciou os grupos, referente à necessidade de jogar novamente diante de uma
derrota ou incapacidade de alcançar o objetivo desejado, parece comum à maioria
dos jogadores. Comparando esses prováveis dependentes de videogame com
os demais, observou-se que jogam mais jogos de estratégia e RPG, e que um
número significativamente superior relata jogar pelo prazer do desafio, e pela
possibilidade de jogar com amigos reais e virtuais, sugerindo um perfil
semelhante ao encontrado quando se comparou os estudantes pela frequência com
que jogam.
Pode
ser considerado alto o índice de estudantes que preencheram mais da metade da
escala PVP, sugerindo problemas relacionados ao uso excessivo de jogos
eletrônicos nessa amostra. No entanto, o item VI da escala pode ter contribuído
para o alto índice. Dessa maneira, estudos futuros destinados a estabelecer um
ponto de corte para a escala PVP devem avaliar esse item através de análise
fatorial. Além disso, o uso de critérios retirados do DSM em um contexto de
dependência comportamental vem sendo discutido e há autores que opõem a noção
de dependência comportamental à de alto envolvimento, que seria uma alta
dedicação a alguma atividade, sem que isso trouxesse consequências negativas20.
No presente estudo, pode-se constatar alto envolvimento com o jogo por uma
parcela da amostra, mas é preciso ter cautela para classificar os estudantes
como dependentes a partir da pontuação na escala PVP. São estudantes que
frequentam o campus universitário e relatam ter diversas atividades de
lazer, além do que não foram avaliados aspectos importantes como desempenho
acadêmico. Fatores importantes que denunciam excesso e/ou perda de controle
sobre o comportamento, como jogar mais de 4 horas diárias e precisar ser
interrompido por terceiros para parar de jogar, foram citados por cerca de 5%
dos entrevistados, porcentagem bastante inferior aos 15,8% que preencheram mais
da metade da escala, explicitando a complexidade da questão e a necessidade de
instrumentos mais precisos.
Finalmente,
ao investigar a influência de jogos violentos sobre o comportamento do jogador,
no presente estudo, a maioria afirmou que isso não interfere em seu estado
emocional, mas 7,4% dos entrevistados relataram sentir-se mais agressivos, o
que deve ser mais bem investigado em estudos futuros.
Os
resultados apresentados devem ser interpretados com algumas limitações. A
amostra estudada é bastante particular (estudantes de uma universidade pública
de São Paulo que têm a possibilidade de estudar durante o dia), não sendo uma
amostra estratificada. Também foi composta por jovens que foram abordados no campus,
ou seja, que estavam fora de suas casas, em ambiente acadêmico, o que já seria
um viés de exclusão de sujeitos com problemas mais graves de socialização. Além
disso, algumas diferenças não puderam ser confirmadas devido ao reduzido
tamanho da amostra. Outra limitação importante a ser considerada advém de se
tratar de pesquisa baseada em relato dos participantes em questionário de
autopreenchimento. Estudos futuros deverão incluir amostra maior e
representativa, visando um perfil dos estudantes universitários
brasileiros.
CONCLUSÃO
Os
jogos eletrônicos, de forma geral, parecem ser uma prática que faz parte do
cotidiano dos estudantes que compuseram a amostra entrevistada. Apesar de a
maioria jogar por lazer, estudantes que jogam com frequência acima de uma vez
por semana apresentaram mais indícios de problemas relacionados ao jogo e cerca
de 15% da amostra preencheu mais da metade da escala PVP, indicando
consequências adversas decorrentes desse hábito. Além disso, cerca de 5%
relataram só parar de jogar quando interrompidos por terceiros, normalmente
jogar mais de 4 horas por sessão e se relacionar mais com amigos virtuais,
sugerindo maior envolvimento com a atividade. Faz-se necessária uma análise
mais aprofundada dos possíveis fatores de risco associados ao uso excessivo dos
jogos eletrônicos, bem como o aprimoramento de um instrumento para o
diagnóstico do uso patológico de jogos eletrônicos.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos
de expressar nossos agradecimentos às colegas de graduação Karen Cristina
Fachini Furlan e Lúcia Kaori Masumoto, por sua colaboração na elaboração do
questionário e coleta de dados. Também somos gratos ao Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo, pela permissão de uso de recursos técnicos
disponíveis no laboratório de Psicofarmacologia para a elaboração do
questionário e análise dos resultados.
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