sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A UTILIZAÇÃO DE JOGOS COMO RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE ZOOLOGIA

Blog JOGOS: ORIGEM, HISTÓRIA E DOWNLOADS, de autoria de Álaze Gabriel.


Autoria:
Aline Borba dos Santos - Licenciada em Biologia pela Universidade Federal de Sergipe. Mestranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela rede PRODEMA/UFS;
Carmen Regina Parissoto Guimarães - Professora Msc. do Departamento de Biologia da Universidade Federal de Sergipe.

RESUMO

As metodologias utilizadas no processo ensino-aprendizagem devem ser constantemente revisadas. Ensinar Ciências requer trabalhar com termos não utilizados no cotidiano e o jogo, oportuniza ao aluno, a assimilação desses termos, permite a vivência de situações de controle e regras, ensinando conceitos de moral e ética. Para facilitar o ensino, um jogo de tabuleiro foi criado e testado como auxiliar no ensino de zoologia. Este foi utilizado em sala de aula, intermediado pela aplicação de questionários que avaliaram sua eficiência. Teve como público alvo alunos de 6ª série, de uma escola estadual do município de Aracaju-Se. O jogo produziu bons resultados refletidos na melhoria das notas e na maior assimilação dos conteúdos, evidenciando também que as variáveis gênero e idade influenciaram nos resultados.

Palavras-chave: Recurso didático; Educação; Ensino de zoologia; Jogos.

1. INTRODUÇÃO

A educação brasileira a pesar das diversas tentativas em busca da implementação de materiais para apoio didático ainda necessita de muita dedicação e esforço de todos os membros que estão envolvidos na escola para que os recursos utilizados sejam adaptados as condições e realidade dos alunos.
Esta dificuldade pode ser vista através dos processos históricos pelos quais a educação brasileira, e principalmente o ensino das ciências, já passou e mesmo pelo momento presente onde os alunos ainda sentem a ausência destes recursos que os estimulem e facilitem o aprendizado de disciplinas que apresentam muitos conceitos e termos que não estão presentes no cotidiano.
Neste contexto busco-se uma alternativa, a utilização de jogos, para o aprendizado do conteúdo sobre o filo Equinodermata, que apresenta uma série de conceitos que são pouco empregados no cotidiano e que trata de animais muitas vezes não conhecidos pelos discentes.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

O processo educativo está em constante transformação devido, entre outros motivos, aos questionamentos sobre o modo como são apresentados os conteúdos em sala de aula. Estas mudanças, relacionadas com um novo modo de ver o ensino, ocorrem por várias causas e tem como conseqüências a facilitação da aprendizagem.
Esta facilitação se refere à adequação dos recursos educativos oferecidos, aos interesses dos alunos. Os educandos têm apresentado grande interesse por atividades dinâmicas nas quais sua participação seja maior e constante, isto ocorre devido, principalmente, ao uso de tecnologia nas suas vidas diárias que requer interatividade além da grande velocidade com que as informações são disponibilizadas.
Essas transformações no ensino não são atuais, ao longo dos séculos a educação foi sofrendo alterações e com isso várias teorias e conceitos surgiram, além disso, o que pode ser educado para um grupo social é diferente para outros. Segundo Ferreira (1975) educação é: "ato ou efeito de educar (-se). Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral visando a sua integração individual e social". É devido a essa integração que os conceitos variam entre as sociedades, já que toda comunidade é regida por uma cultura diferente.
Outro conceito que também pode ser citado e que tem como base essa mesma linha de pensamento é o de D'Ambrósio (1999) no qual a "educação é o conjunto de estratégias desenvolvidas pela sociedade para: a) possibilitar a cada indivíduo atingir seu potencial criativo; b) estimular e facilitar a ação comum, com vistas a viver em sociedade e exercer cidadania".
A educação já foi regida pelos paradigmas clássicos, que são encontrados no positivismo e no marxismo os quais têm como característica serem marcados pela ideologia e lidarem com categorias redutoras da totalidade; atualmente, ao contrário, o que se encontra são os paradigmas holomônicos, que buscam a valorização da iniciativa e da criatividade, restaurando o indivíduo como um todo (Gadotti, 2000).
Brandão (1982) e Gadotti (2000) mostram a trajetória do processo educativo até chegar aos dias de hoje: surgiu na Grécia com a intenção de formar jovens perfeitos para profissões determinadas e dali foi para Roma para então se espalhar pelos continentes. O modelo de educação inicial era designado tradicional e destinado a uma pequena minoria da população. Após, veio a educação nova; nela, ocorreram grandes conquistas e mudanças no campo das ciências da educação e das metodologias de ensino onde o indivíduo era preparado para ser um cidadão capaz de decidir.
Na educação tradicional o ensino é centrado no professor e, o aluno, deve apenas trilhar o caminho determinado; as atividades são totalmente voltadas para práticas externas ao aluno (Mizukami,1986).
A educação nova, por sua vez, foi um movimento de renovação introduzido no Brasil por Rui Barbosa, no qual as escolas deveriam se tornar pequenas comunidades ao invés de transmissoras de idéias (Rischbieter, 2006).
Um novo modelo, a educação popular, surgida com base nos trabalhos de Paulo Freire, na década de 60, representou uma educação informal, ou seja, que se aprende fora dos muros das instituições educacionais. Este tipo de educação tentava enquadrar a sociedade na política através de um discurso não formal.
A educação popular no Brasil está bem representada pelas 'escolas' dos sem-terras, que inserem nas crianças da comunidade seus ideais; também recebe este nome aquela em que o currículo é pensado pela população (WIKIPEDIA, 2005).
Frota-Pessoa, Gevertz e Silva (1985) afirmam que a filosofia educacional mais adotada no mundo atual tem a educação como um mecanismo de construção e reorganização de experiência e que busca fundamentalmente dos educadores formas de proporcionar, aos jovens, ambiente (escola) e estímulos (ação didática) capazes de favorecer seu desenvolvimento físico-intelectual.
Dessa forma, temos a educação escolar como uma dimensão estratégica para políticas que propõem a inserção de todos nos espaços da cidadania social e política e mesmo para reestruturação no mercado profissional (Cury, 2002).
A educação de acordo com o que foi explicitado é um tipo de trabalho, um trabalho não-material, que visa a produção de idéias, conceito, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades e tem como objeto de estudo, de um lado, a observação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da sociedade para que eles se tornem humanos e, de outro lado e ao mesmo tempo, a procura de formas mais apropriadas para atingir esse objetivo (Saviani, 1992).
Como foi apresentado por Cury (2002), a educação escolar, busca desenvolver o homem para viver em sociedade extrapolando a capacidade de atuação da família. E, a Constituição Federal Brasileira, em seu Art. 210, procura garantir uma formação básica a todos brasileiros através desta educação.
A história da educação brasileira, de acordo com Gadotti (2000), pode ser dividida em três fases: a primeira, que vai do descobrimento até 1930, é estruturada no ensino religioso e privado; a segunda, que vai de 1930 à 1964, visa desenvolver a criança através de métodos inovadores, sendo contrária a anterior que tinha como base a educação tradicional; e a terceira, que ocorre após 1964, é marcada pelo domínio de governos militares autoritários. Essa última fase começou, em 1985, a passar por modificações devido, principalmente, a má qualidade do ensino e ao grande índice de evasão escolar.
Analisando a recente situação nacional, Cury (2002), afirma que o Brasil é um país que ainda sofre as conseqüências da formação escravocrata e hierárquica, e por este fato, ainda tem muito caminho a seguir para tornar a educação uma realidade para todos; dando às crianças oportunidade de freqüentar escolas, e aos jovens e adultos oportunidades de escolarização.
A educação sofre grande influência dos avanços tecnológicos, assim, torna-se necessária, uma educação associada com novos meios de ensino capazes de manter a atenção dos alunos, interessados cada vez mais em atividades dinâmicas.
O ensino de ciências, bem como o de várias outras disciplinas, antes, era feito de forma unidirecional, o professor transmitia informações sem tentar relacioná-las com as situações vividas no cotidiano do aluno, ou até mesmo sem buscar ouvir destes, suas dúvidas. Muitas vezes durante o processo de aprendizagem de ciências o professor é considerado um transmissor de idéias, onde fala 90% do tempo durante as aulas esforçando-se em explanar o conteúdo para discentes, que em silêncio, devem internalizá-lo para serem expresso durante as avaliações (Schnetzler, 1992). Dessa forma os conteúdos aprendidos até então pelos alunos no seu cotidiano não são utilizados como instrumentos, para facilitar a aprendizagem.
O professor deve buscar o entendimento do aluno de modo que os conhecimentos adquiridos pelo uso do senso comum sejam gradativamente transformados. De acordo com Schnezler (1992), esse processo é chamado de mudança conceitual, e tem por objetivo não só transformar como também substituir crenças e idéias ingênuas que trazem do cotidiano.
E, é essa mudança, um dos principais objetivos do ensino de ciências, podendo ocorrer através de acréscimo de conhecimentos, reorganização ou ainda mudança de todos os conceitos anteriores.
O ensino de ciências no Brasil, segundo Barreto (1998), pode ser dividido em quatro fases: o ensino das verdades clássicas (década de 20); a experiência pela experiência (década de 50); a solução de problemas pelo método científico (década de 60); as unidades de trabalho com base na tecnologia educacional (anos 70). Na primeira, a ciência é algo imutável pronta para ser transmitida; na segunda, a realidade do aluno é evidenciada; na seguinte, o aluno torna-se um solucionador de problemas; e, na última, o Comportamentalismo serve de guia.
Para os comportamentalistas, a ciência visa desvendar a natureza e os eventos, mostrando que os acontecimentos se relacionam sucessivamente (Mizukami, 1986). De acordo com Ferreira (1975), este é um ramo da psicologia que se preocupa em estudar só os estímulos e as reações no físico sem considerar, as sensações, as emoções.
Oliveira (2000) mostra, que "nos dias de hoje, ensinar ciências é também ter atenção para as questões ligadas a hábitos, costumes, crenças, tradições, que não são deixados pelo alunado do lado de fora da sala-de-aula".
Atualmente um novo modelo, o Construtivismo, se propõe transferir as mesmas informações, mas agora ressaltando sua importância para a vida de cada um, além disso, a forma como as matérias se organizam devem ser discutidas com alunos (Silva, 2006).
Embora o construtivismo seja a forma mais atual de educar, alguns professores ainda não se adaptaram ao mesmo ou ainda não conseguiram desenvolver técnicas atuais e atrativas para os alunos. Com isso o alunado demonstra dificuldade em manter a concentração durante as aulas teóricas apresentando pouca assimilação após a explanação de conteúdos curriculares em sala de aula.
Sem interação com os alunos o processo educativo torna-se artificial, sendo meros receptores de informação. Rizzi e Haydt (1987) apresentam a educação artificial como um problema a ser resolvido desde o século XVIII, e este vem sendo discutido há muito tempo por alguns pensadores, como Rousseau e Pestalozzi, que queriam um ensino de forma natural, de acordo com a capacidade e os interesses da criança, oferecendo como solução a utilização de jogos que facilitariam o aprendizado.
A utilização de recursos como os jogos não é nova e sofre constantemente modificações. No Brasil, a situação dos materiais didáticos utilizados aproximadamente até o século XIX, estava intimamente relacionada com recursos estrangeiros, tratava-se de traduções ou adaptações de manuais europeus, sem levar em consideração o que era importante para os alunos brasileiros (Barra; Lorenz, 1986). Em vista desses fatos, em meados do século XX, surge um movimento que pretendia a mudança desses padrões buscando correlacionar temas do cotidiano brasileiro.
A década de 50 foi marcada pelo mau preparo dos livros utilizados nas escolas e pela ausência de instituições que traduzissem o que estava ocorrendo nacionalmente. Barra e Lorenz (1986) esclarecem também que devido a esses problemas encontrados, houve uma tentativa, expressa em 13 de junho de 1946, pelo Decreto Federal n° 9355, que promoveu a criação da primeira instituição que buscava os interesses nacionais, o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC).
Esta proposta do IBECC buscava enquadrar padrões nacionais ao ensino. Uma dessas tentativas, que foi muito bem sucedida, foi a criação de kits experimentais para os alunos trabalharem não só na escola como também em casa. Mas esses materiais voltaram a sofrer transformações ao final da década com a volta de materiais traduzidos, só que desta vez estes provinham dos Estados Unidos e não mais da Europa (Barra; Lorenz, 1986).
A falta de professores capacitados era evidente, então, na primeira metade da década de 70 o Ministério da Educação e Cultura criou o Projeto Nacional para a Melhoria do Ensino de Ciências, que tinha prioridade no Plano Setorial de Educação e tinha como objetivo produzir materiais didáticos e capacitar professores. Além desses, mais doze projetos foram elaborados, sendo seis para o ensino fundamental e os outros seis para o ensino médio. Daí em diante os materiais utilizados passaram a ser, cada vez mais, produzidos no Brasil (Barra; Lorenz, 1986).
Para Deheinzelin (1994), é necessário o envolvimento das crianças em atividades significativas e interessantes para que as mesmas não se dediquem à bagunça e a agressão, sendo o professor um mediador das atividades, mantendo sua autoridade sem ser injusto.
Embora muitas modificações, como as citadas anteriormente, estejam ocorrendo na busca de novos recursos que auxiliem na aprendizagem, o jogo muitas vezes não é considerado pelo senso comum uma atividade educativa, e de trabalho, por se tratar de uma atividade descontraída. A existência de regras que delimitam as atuações durante o jogo, são argumentos básicos para contrapor essa idéia e verificar a validade dos jogos.
Nos projetos educacionais alternativos dos últimos vinte e cinco anos, não se tinha idéia muito clara a respeito do que realmente se intensionava em educação escolar, mas o que existia eram idéias relativas ao que não se queria que ocorresse naqueles determinados momentos (Deheinzelin, 1994). O que não se desejava era a desconsideração do modo de ser da criança e tampouco o ensino de conteúdos segundo a sistemática tradicional, buscava-se trabalhar uma pedagogia alternativa, caracterizada por privilegiar a livre expressão da criança, seu modo de brincar, falar, desenha e realizar outras tarefas com ênfase nos sistemas de representação, propondo como recursos alternativos, jogos de dados, baralhos, jogos de tabuleiros dentre outros Deheinzelin (1994).
Dentre os recursos alternativos, os jogos são também chamados de simulações, "... cuja função é ajudar a memorizar fatos e conceitos. São usados principalmente na forma de palavras cruzadas, jogo da memória ou monopólio" (Krasilchik, 2004, p.90).
Para Rizzi e Haydt (1987), a utilização de jogos na educação teve sua difusão a partir do movimento da Escola Nova e da adoção dos métodos alternativos; embora a aplicações destes à educação seja algo discutido há muito tempo. Estes autores estudando um dos trabalhos de Comenius, de 1632, a Didactica Magna, observaram que ele pregava o uso de métodos alternativos, que tinha em sua concepção de educação, a recomendação da prática de jogos, pelo seu valor informativo.
Diversos outros autores, como Rizzi e Haydt (1987), mostram que os jogos têm como objetivo atrair o aluno de forma descontraída, pois através da brincadeira, dos jogos, a criança é capaz de fazer uso de esquemas mentais aplicados à realidade que a cerca, transformando o real de acordo com suas necessidades.
Face a este panorama, foi proposta a criação de um jogo como recurso didático alternativo no ensino de ciências (zoologia), avaliando a sua eficiência no processo de ensino-aprendizagem, bem como, identificando se as variáveis (gênero e idade) podem interferir neste processo.

3. METOLOGIA

O trabalho foi realizado na Escola Governador Djenal Tavares de Queiroz, escola estadual, localizada no Bairro São José, no município de Aracaju, Sergipe, que funciona nos três turnos oferecendo oportunidade de educação a jovens e adultos.
A estrutura física da escola apresentava boas condições, dispondo de salas amplas e limpas, com possibilidade de utilização de dois tipos de quadros (branco e negro) pelo professor. Além disso, possuía laboratório de informática e de biologia, biblioteca, quadra poliesportiva e piscina. A existência de um ambiente físico acolhedor e variado, levou-nos a crer que este era um ambiente propicio para o envolvimento do alunado com a escola.
O primeiro momento da atividade de pesquisa envolveu ministrar aulas sobre um conteúdo específico de Zoologia (Filo Echinodermata) utilizando a estratégia expositiva-dialogada, uma vez que, por Aracaju situar-se defronte ao mar, ambiente onde o grupo animal em questão vive, os alunos poderiam participar ativamente da aula, foram também apresentados exemplos locais da fauna e feito um esquema do conteúdo no quadro. Entretanto a estratégia adotada não diferiu muito da forma como as aulas costumam ser ministradas na escola.
Posteriormente, num segundo momento, foi aplicado um questionário na aula subseqüente à explanação teórica dos conteúdos. Este questionário foi denominado de pré-teste uma vez que constituiu o parâmetro de comparação com o teste aplicado após a realização do jogo que foi então denominado pós-teste. Ambos os testes apresentaram as mesmas questões.
Anteriormente à aplicação dos questionários, os alunos foram avisados de que na aula seguinte responderiam a um exercício no qual não poderiam utilizar nenhum recurso como meio de consulta.
O pré-teste foi realizado durante o horário convencional de aulas da turma, 07 (sete) dias após a explanação do conteúdo se constituindo no tradicional procedimento de avaliação. Quinze dias após o pré-teste foi realizada a atividade do jogo, utilizando os conhecimentos específicos do conteúdo Echinodermata. Sete dias após foi aplicado o pós-teste.
Um terceiro momento de atividades consistiu na aplicação do jogo de tabuleiro, criado pelo professor. Este jogo apresentava uma base de 65 x 47,5cm, decorada com motivos do fundo do mar e sobre ela existia uma trilha a ser percorrida pelos alunos à medida que jogavam os dados. A trilha apresentava cores referentes a cartões contendo questões sobre o conteúdo. A partir destas questões os alunos demonstravam ou não o seu conhecimento e as dúvidas eram esclarecidas e debatidas em conjunto.
As perguntas que estavam em cartões coloridos correspondentes às cores de algumas casas do tabuleiro, eram feitas pelo jogador seguinte ao jogador dos dados. O jogo constava das regras abaixo expressas:

Regras do jogo:

1) Os participantes "caminharão" por uma trilha composta por "casas" com perguntas relativas ao conteúdo;
2) As casas contendo questões referentes ao assunto: Filo Equinodermata, estarão alternadas por casas vazias;
3) Esse "caminho" será seguido por pinos, que representarão os participantes (ou grupos destes);
4) O deslocamento pela trilha obedecerá, os valores obtidos através de jogadas de dados;
5) As casas contendo perguntas são diferenciadas das demais por suas cores. As cores das casas referem-se a cartões de mesma cor contendo perguntas específicas. Ao parar em uma dessas, o participante será questionado pelo participante que irá efetuar a próxima jogada da seguinte forma: este escolherá uma das cartas referentes à cor da casa a qual conterá uma pergunta e respectiva resposta para verificação.
6) Respondendo corretamente a questão segue-se o jogo, errando, o jogador voltará uma casa.

O quarto momento consistiu na aplicação sete dias após a ocorrência do jogo do pós-teste. A análise dos dados foi feita pela comparação dos dados do pré e pós-teste. As questões foram dividas em cinco classes de análise: correta, incompleta, parcialmente errada, totalmente errada e ausência de resposta. As respostas consideradas corretas não continham nenhum erro ou ambigüidade que pudesse distorcer a questão; a resposta incompleta foi aquela em que o aluno não atendeu a todos os objetivos desejados para a questão; a parcialmente errada foi aquela em que o conteúdo desejado foi (total ou parcialmente) explicitado, mas apresentou distorções quanto ao entendimento; totalmente errada foi aquela que não apresentou nenhuma informação correta referente ao conteúdo dos equinodermos; e não respondeu foi a ausência de resposta. Além disso, foram comparadas as médias dos alunos em relação ao gênero e as idades apresentadas na turma.

4. RESULTADOS E DISCURSSÕES

O público analisado foi composto por 30 (trinta) estudantes da 6ª série da Escola Governador Djenal Tavares de Queiroz, cuja turma freqüentava as aulas no turno matutino, e continha alguns alunos repetentes. A idade destes estudantes variou entre 11 e 14 anos, sendo que 57% tinham 13 anos, isto demonstra um pequeno atraso na vida escolar, já que geralmente alunos de 6ª série têm entre 11 e 12 anos. A maior parte dos alunos era do sexo feminino.
As questões apresentadas nos testes visavam analisar o aprendizado dos estudantes sobre o conteúdo enfatizando questões morfológicas e fisiológicas, bem como, caracteres gerais dos animais em estudo como a classificação zoológica, representantes do grupo e hábitos alimentares.
Quando questionados sobre os representantes do grupo Echinodermata, apesar de também citarem peixes, crustáceos e moluscos, nenhum aluno deixou de responder a questão. Após a utilização dos jogos ficou evidente um aumento na assimilação, pois o número de respostas totalmente erradas e parcialmente erradas caiu quando comparado ao aumento da quantidade de respostas corretas completas e incompletas.
Dentre os vários animais citados, a estrela-do-mar, o ouriço-do-mar e a bolacha-da-praia, se destacam; a bolacha-da-praia, provavelmente foi muito citada por ser facilmente encontrada no litoral sergipano; já a estrela do mar e os ouriços, apesar de não serem animais usualmente encontrados na região, são muito bem representados no livro adotado pela escola, despertando um grande interesse nos alunos. A margarida-do-mar, grupo descoberto há pouco tempo, foi citado por apenas 2% dos alunos.
Questões referentes à classificação taxonômica, assunto extremamente teórico, apresentam pouco aproveitamento pelos alunos mesmo que o jogo tenha auxiliado na sua fixação. Foi evidenciada, também, dificuldade de entendimento de conceitos como simetria, eviceração que não fazem parte do vocabulário usual, bem como de aspectos fisiológicos dos organismos. Além disso, no pós-teste houve diminuição no número de alunos que não responderam, de respostas totalmente erradas e incompletas.
Foram utilizadas as variáveis gênero (sexo) e idade para relacionar aos resultados das questões propostas no pré e pós-teste.
Quanto ao gênero, encontramos tanto no pré-teste como no pós-teste um melhor desempenho dos indivíduos do sexo feminino.  Como não foi encontrado na literatura nada que explicitasse este tipo de desempenho em séries do ensino fundamental só pode ser inferido que houve coincidência ou identificação das alunas com a professora, gerando um maior envolvimento com as aulas e por conseguinte com o conteúdo.
Já em relação à idade, pode ser visto que os alunos que acompanhavam a estrutura do ensino de forma regular (que são aqueles com 12 anos de idade) obtiveram melhores notas que os demais. Este tipo de resultado é indicativo de que mais atenção deve ser dedicada aos demais alunos uma vez que aqueles que se encontram no período regular já apresentam a motivação própria da idade e do fato de nunca terem reprovado.
Fazendo uma observação global das notas obtidas pelos alunos durante o pré e o pós-teste que intermediaram a utilização do jogo, verificamos um aumento dos acertos durante o último. O que demonstra uma maior assimilação de conhecimentos com a utilização do jogo.
O jogo difere do brinquedo, pois este último não tem um sistema de regras, e não relaciona fatos reais; o primeiro, além de ter regras possibilita a ação voluntária do homem, dentro de um determinado espaço e tempo tornando-se então educativo à medida que estimula algum tipo de aprendizagem de forma intencional (Kishimoto, 2003). O que vem a ressaltar e evidenciar os resultados obtidos após a utilização do recurso em questão. A média geral apresentada pela turma cresceu após a utilização do jogo.
Atualmente a relação professor/aluno segue inúmeras regras, sendo uma "relação burocrática". A ausência de espontaneidade neste tipo de relação impossibilita ao educando assimilar os conhecimentos de forma descontraída (Kishimoto, 2003). Os professores desde o início de sua formação não são preparados para trabalhar com seus alunos de modo espontâneo, pela aceitação de suas formas de pensar, trabalhando o conteúdo a partir das contribuições e do conhecimento informal trazido por estes.

5. CONCLUSÕES

A análise da eficiência de jogos educativos no ensino de zoologia pode ser demonstrada a partir da avaliação do pré e pós-teste. A avaliação demonstrou um aumento da capacidade de compreensão dos conteúdos com o uso de uma atividade lúdica.
As variáveis pessoais consideradas, gênero e idade, influenciaram os resultados, com melhor desempenho para os alunos do sexo feminino e aqueles do período regular.
Esta análise permite inferir que os professores devem trabalhar mais com recursos alternativos ao quadro e giz e livros, uma vez que despertam maior interesse dos alunos, bem como buscar que os próprios educandos apresentem seus interesse ou mesmo criem junto com o professor o recurso desejado. Alem disso os professores devem tentar incentivar aos alunos acima da idade regular a participar das atividades escolares, uma vez que a maior participação gerou neste trabalho uma melhora no desempenho discente.
Os professores devem buscar junto aos alunos construir e utilizar métodos alternativos de ensino tal como os jogos para melhorar o aprendizado.

REFERENCIAS

1. BARRA, V.M., LORENZ, K.M. (1986) Produção de materiais didáticos de ciências no Brasil, período 1950 a 1980. São Paulo: Ciência e Cultura. n°38 (12), dez.
2. BARRETO, E.S.S. (1998) Os currículos do ensino fundamental para as escolas brasileiras. Campinas, SP: Autores Associados; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, (Coleção formação de professores).
3. BRANDÃO, C.R. (1982) O que é educação. São Paulo: Brasiliense, (Coleção Primeiros passos).
4. CURY, C.R.J. (2002) Legislação educacional brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: DP%26A, (O que você precisa saber sobre).
5. D' AMBRÓSIO, U. (1999) Educação para uma sociedade em transição. Campinas, SP: Papirus, (Coleção Papirus educação).
6. DEHEINZELIN, M. (1994) A fome com a vontade de comer: uma proposta curricular de educação infantil. Petrópolis, RJ: Vozes.
7. FERREIRA, A.B.H. (1975) Novo dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
8. FROTA-PESSOA, O.; GEVERTZ, R.; SILVA, A.G. da. (1985) Como Ensinar Ciências. 5 ed. São Paulo: Nacional.
9. GADOTTI, M. (2000) Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.
10. KISHIMOTO, T.M. (Org.) (2003) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 7 ed. São Paulo: Cortez.
11. KRASILCHIK, M. (2004) Prática de Ensino de Biologia. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: EDUSP.
12. MIZUKAMI, M. G. N. (1986) Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU (Temas básicos de educação e ensino).
13. OLIVEIRA, R.J. (2000) A escola e o ensino de ciências. São Leopoldo, RS: AD. UNISINOS.
14. RISCHBIETER, L. Glossário pedagógico. Disponível em:
http://www.educacional.com.br/pais/glossario_pedagogico/escola_nova.asp. Acesso em: 15  março 2006.
15. RIZZI, L.; HAYDT, R. C. (1987) Atividades Lúdicas na Educação da Criança. 2 ed. São Paulo: Ática.
16. SAVIANI, D. (1992) Pedagogia Histórico - Crítica Primeiras aproximações. 3 ed. São Paulo: Cortez.
17. SILVA, S. C. Construtivismo na Escola. Disponível em:
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18. SCHNETZLER, R. P. (1992) Construção do conhecimento e ensino de ciências. Em Aberto, Brasília, ano 11, n. 55, jul./set.
19. WIKIPEDIA. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Educa%C3%A7%C3%A3o_popular. Acesso em: 24 agosto 2005.







sábado, 2 de novembro de 2013

JOGO, BRINQUEDO, BRINCADEIRA E A EDUCAÇÃO

Blog Jogos: origem, história e downloads, de autoria de Álaze Gabriel.

  
Autoria:
Maria Carmen Silveira Barbosa. Professora assistente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

INTRODUÇÃO 
 
A temática tratada neste livro Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação é extremamente atual e é muito oportuna a sua publicação, na medida em que, nos últimos anos, essas questões têm sido abordadas principalmente por autores da área da psicologia e/ou da educação física (no que se refere à psicomotricidade), e muito pouco tem sido produzido com respeito a uma abordagem educacional.
O título é muito interessante, pois trabalha com a ambivalência, ou a confusão, muito comum aos termos citados. Jogo? Brinquedo? Brincadeira? Serão sinônimos, ou existem diferenças entre cada um deles? Acredito que essa é uma dúvida que muitos educadores possuem e portanto torna-se um convite à leitura dos textos.
O livro é uma coletânea de trabalhos elaborados por autores vinculados ao Grupo Interinstitucional sobre o Jogo na Educação, com sede na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Como todos os autores pertencem ao grupo, suas referências teóricas têm certa proximidade, mas como também são profissionais de diversas áreas e utilizam-se de suportes teóricos de sua área de origem – o que, de certa forma, enriquece e pluraliza as concepções acerca do tema – aparecem também diferenças. Acredito ser importante mostrar essa pluralidade de olhares sobre o tema, pois temos encontrado algumas coletâneas, em que os autores produzem seus textos a partir de uma bibliografia comum, mas que, pelo fato de os artigos serem produzidos individualmente, acabam tornando-se repetitivos e, muitas vezes, apresentam uma superposição de conceitos e citações.
O livro inicia-se com uma apresentação dos artigos, complementada no final da edição com os dados dos autores, que poderia ser mais precisa quanto às datas de produção dos trabalhos. Para poder analisá-los, dentro dos limites de uma resenha, resolvi trabalhar com grupos temáticos e utilizei, apenas parcialmente, a ordem de apresentação dos artigos no livro.
O livro divide-se basicamente em três grupos de artigos: o primeiro compõe-se de artigos que tratam do tema relacionando-o à educação infantil; o segundo grupo de artigos é formado por aqueles que trabalham com crianças com necessidades especiais; e um terceiro grupo discute o tema a partir do ângulo da formação docente. Há também um artigo, quase estrangeiro, que trata da educação matemática.
A proposta do livro é que o leitor possa valorizar "os jogos na educação, ou seja, brinquedos e brincadeiras como formas privilegiadas de desenvolvimento e apropriação, conhecimento pela criança e, portanto, instrumentos indispensáveis da prática pedagógica e componente relevante de propostas curriculares" (p. 11).
 
JOGO, BRINQUEDO E BRINCADEIRA & EDUCAÇÃO INFANTIL

A educação infantil é um espaço privilegiado para falar dessa temática; afinal, dentro do sistema de ensino, a educação infantil, ou a pré-escola como também é chamada por alguns autores, é um dos poucos lugares onde o lúdico ainda é visto como apropriado, ou mesmo "inerente" ou "natural".
O primeiro artigo desse grupo denomina-se "O jogo e a educação infantil" e foi escrito pela organizadora Tizuko M. Kishimoto. É um artigo interessante, pois trata de questões básicas, como por exemplo definir/conceituar o jogo, o brinquedo e a brincadeira, uma tarefa extremamente difícil de ser feita na medida em que estes conceitos e as palavras que os significam não são precisos nem em nossa língua portuguesa nem em grande parte das demais. Essa imprecisão na linguagem, nos conceitos lingüísticos, constrói-se a partir das complexas relações com o projeto histórico-social e cultural em que as práticas do jogo e do brincar são exercidas e que também não estão tão definidas. A própria autora trata de demonstrar a dificuldade da conceituação. Para tanto, busca essa definição em vários autores que produziram conceitos em diferentes tempos históricos e espaços geográficos. Este recorrido dá ao leitor uma série de informações, cabendo a ele realizar uma reflexão comparativa. Finalmente, a autora apresenta a sua definição dos termos (nem sempre compartilhada por todos os autores da coletânea), e que não é inteiramente por mim acordada, pelo menos no que se refere à linguagem e à(s) cultura(s) brasileira(s).
A segunda parte do texto procura situar historicamente, na Europa, o papel representado pelo jogo, sendo que a autora faz o seu principal recorte nas concepções prévias ao movimento romântico e naquelas posteriores a ele. Apresenta-nos as passagens do jogo pelas diferentes áreas do conhecimento, como a filosofia, a biologia, a psicologia, a sociologia, a antropologia e a educação. Acho um pouco excessiva a citação de tantos autores, pois não há como aprofundar, nos limites de um artigo, as aproximações e as diferenças entre eles, e também as contextualizações ficam novamente a cargo do leitor, embora a variada bibliografia apresentada possa servir como indicação para o aprofundamento no tema.
Há ainda uma terceira parte no artigo, onde são apresentadas "algumas modalidades de brincadeiras presentes na educação infantil". Nela são citados: o brinquedo educativo, a brincadeira tradicional, a brincadeira de faz-de-conta e a brincadeira de construção.
O segundo artigo, de Marina Célia Moraes Dias, "Metáfora e pensamento: Considerações sobre a importância do jogo na aquisição do conhecimento e implicações para a educação pré-escolar", é muito interessante, pois a autora, a partir de uma leitura das grandes dicotomias da educação, consegue, trazendo contribuições da filosofia, da estética e da política, fazer uma contraproposta para a educação infantil através da releitura das possibilidades do jogo.
O jogo, nesse texto, vincula-se ao sonho, à imaginação, ao pensamento e ao símbolo. É uma proposta para a educação de crianças (e educadores de crianças) com base no jogo e nas linguagens artísticas. Texto fundamental para leitura e reflexão num momento de proposições pedagógicas para a educação infantil tão baseado na cópia do modelo escolar de 1o grau. A concepção da autora sobre o homem como ser simbólico, que se constrói coletivamente e cuja capacidade de pensar está ligada à capacidade de sonhar, imaginar e jogar com a realidade, é fundamental para propor uma nova "pedagogia da criança". A autora vê o jogar como gênese da "metáfora" humana. Ou, talvez, aquilo que nos torna realmente humanos.
O terceiro e último artigo desse bloco chama-se "A brincadeira de faz-de-conta: Lugar do simbolismo, da representação, do imaginário", de Edda Bomtempo. É um artigo que trata, como diz o título, da brincadeira do faz-de-conta, essa experiência que nos torna seres simbólicos, humanos e metaforizados. A autora inicia apresentando a brincadeira, suas características, e procura na literatura universal a presença desse tipo de brincadeira. Depois, na busca de referências teóricas explicativas para esse tipo de ação humana, ela tem encontros com Piaget e Vygotsky, por um lado, e, por outro, com S. Freud e Melanie Klein. O faz-de-conta é tratado então como a possibilidade na construção do homem de ser a ponte entre a fantasia e a realidade.
 
CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS & O JOGO, O BRINQUEDO E AS BRINCADEIRAS

O segundo grupo de artigos trata da questão do jogo, do brinquedo e da brincadeira, e suas articulações com as crianças com necessidades especiais: a pedagogia, a psicopedagogia, a avaliação, o fracasso escolar, as propostas curriculares e outros temas percorrem esta seção.
O texto "O jogo e o fracasso escolar", de Sahda Marta Ide, inicia tratando dos testes-padrão de medidas de inteligência e seu questionamento como instrumento adequado para a avaliação das crianças portadoras de deficiências. A autora indica, como saída desse ciclo "avaliação por testes e medidas e diagnóstico de fracasso escolar", a procura das causas desses fracassos e encontra, na bibliografia estudada, algumas generalizações com referência às famílias, às escolas, à atitude do educador e, a partir dessa análise de "causas do fracasso escolar", propõe alternativas educacionais de reversão dessa situação. Segundo a autora, o elemento central para essa ação diferenciada, destinada à desestigmatização, seria o da mediação, tanto a humana, como a instrumental. E é na instrumental que aparece o jogo como recurso fundamental na educação de crianças deficientes mentais.
O artigo seguinte, "O uso de brinquedos e jogos na intervenção psicopedagógica de crianças com necessidades especiais", de Leny Magalhães Mrech, de certa forma aprofunda aquilo que foi anteriormente analisado. A autora faz uma crítica contundente aos conceitos piagetianos mais divulgados nos cursos superiores, tais como estágios do desenvolvimento, e todos aqueles que tiveram formação acadêmica, nessa área, nas últimas décadas são testemunhas desse empobrecimento da epistemologia genética. Para se contrapor a essa tendência, a autora propõe a noção de equilibração e a reequilibração das estruturas cognitivas como conceito central dessa concepção de construção do conhecimento. Discute os universalismos das teorias que nos amarram e propõe a busca de singularidades. Nesse momento, ela busca a psicanálise, trazendo o desejo, o outro, o não-saber, e, de forma muito interessante, passa da visão da alienação individual para a alienação social e cultural utilizando R. Barthes e P. Bourdieu.
A necessidade da desnaturalização dos lugares de saber e não saber, de aprendentes e ensinantes e da dialética dessas relações individuais e sociais é fundamental para pensar a construção do conhecimento. Os jogos, os brinquedos e os materiais pedagógicos são analisados quanto à sua possibilidade de interferir nas estruturas de alienação social e individual do saber – estereotipias, relações transferenciais, estruturado ou estruturante.
Depois a autora apresenta a noção de modalidade de aprendizagem, isto é, o tipo de relação que cada sujeito, a partir da sua própria história, constrói ao conhecer o mundo, conceito este desenvolvido por Alícia Fernandes a partir da psicanálise e da psicologia genética.
O texto conclui com a análise das relações das modalidades de aprendizagem e as ofertas de "ensinagem" e coloca as experiências com jogos e materiais pedagógicos como modos de "pluralização" destas modalidades e também com um apelo ao trabalho educacional voltado ao desenvolvimento das diversas formas da inteligência.
O texto "O jogo na organização curricular para deficientes mentais", de Maria Luisa Sprovieri Ribeiro, inicia com uma análise das práticas tradicionais de atendimento às crianças com necessidades especiais e com resistências pessoais e sociais a uma mudança de concepção deste tipo de atendimento.
Utilizando-se de características do jogo, de acordo com Gilles Brougére, tais como a necessidade de espaço, papéis, materiais e tempo do jogo para pensar o currículo, denuncia a "cultura" do trabalho individualizado, isto é, isolado, do educador de crianças com necessidades especiais, que não está presente nos debates dos demais educadores e áreas de conhecimento dentro das escolas. Denuncia esta experiência de prática social de educador como criador único do currículo ou criatura que aplica os currículos dos tecnocratas. Para a autora, é necessário ousadia nos professores de educação especial para que utilizem na construção de suas propostas educativas as discussões coletivas e contemporâneas de currículo e quebrem uma visão tão "conformada" desse tipo de atendimento educativo.
 
A FORMAÇÃO DO EDUCADOR ATRAVÉS DA VIVÊNCIA, DA DISCUSSÃO E DA REFLEXÃO DO JOGO

Os últimos capítulos do livro tratam do jogo na formação dos professores. O primeiro deles, "Brincadeiras e brinquedos na TV para crianças: Mobilizando opiniões de professores em formação inicial", de Maria Felisminda de Rezende e Fusari, tem como meta a educação do educador para a leitura das "vivências comunicacionais de seus alunos", e afirma que a formação dos professores pode gerar novas formas, mais competentes e criativas, de os alunos interagirem com multimeios. Há entre alunos e meios de comunicação uma teia de transmissões e influências que não são de simples causa e efeito ou unívocas, mas de interinfluências, e essas devem ser aproveitadas para uma melhor formação do cidadão.
A autora relata uma pesquisa feita com futuros educadores de nível universitário ou de 2o grau na qual é feita a análise de trecho de vídeo do Xou da Xuxa, em que aparece uma situação de jogo competitivo. A partir da análise feita pelas alunas, uma visão de mídia e de jogo é constituída. Uma nova maneira de ver o meio – a televisão – e o programa – Xou da Xuxa – se constitui.
Em "Jogo e formação de professores: Videodrama pedagógico", Heloísa Dupas Penteado relata uma experiência com alunos de prática de ensino na qual foi usado o videodrama pedagógico, derivação do psicodrama, com o objetivo de fazer o aluno de 3o grau refletir tanto sobre sua prática como aluno como sobre seu papel de professor.
O relato é interessante na medida em que essas provocações promovidas pela vivência, na própria formação do professor e em sua vida afetiva e intelectual de adulto, auxiliam a reconhecer as muitas formas de entender a cena educacional, a afiar a sua sensibilidade ao jogar.
 
EDUCAÇÃO: LÚDICA OU SÉRIA

O texto "A séria busca no jogo: Do lúdico na matemática", de Manoel Oriosvaldo de Moura, é de educação matemática, mas não apenas isso. Apesar de ter divergências quanto à questão de serem ou não modismos a etnomatemática e a modelagem matemática, e de discordar que o uso de materiais pedagógicos está mais presente no século XX, gostei muito do trabalho do autor. Ele trata com propriedade de duas questões centrais na relação jogo e educação: a primeira diz respeito ao fato de que o jogo, em uma proposta educativa, nunca pode estar dissociado "do conjunto de elementos presentes no ato de ensinar" (p. 74), isto é, ele deve estar localizado na totalidade de um projeto educacional. E para justificar a sua argumentação, procura na história da educação, e na história da educação matemática, exemplos que demonstram essa afirmação. A outra questão, também muito bem trabalhada, é a da seriedade do jogar e os diferentes usos do jogo e seus vínculos com concepções de aprendizagem. A visão da superação do jogo como elemento/recurso e a construção de seu papel como incorporado ao ensino como um todo são algo que justifica a presença desse artigo na coletânea. Sua localização no final da minha escrita justifica-se pela síntese que o autor faz de idéias que perpassam todo o conjunto da obra.
 
FINALIZANDO

Encontramos no livro uma polifonia com vozes que falam aos quatro ventos sobre o tema. Isto é bom. É jogo e é brincadeira. Talvez uma das características centrais do livro seja a aproximação do jogo às teorias, e não apenas uma listagem dissociada de receitas de brincadeiras, e a proposição de alternativas de lugar para o jogo, tanto nas propostas de ensino, com alunos de diversos níveis, como na própria formação do educador. Penso que dessa tríade, jogo, brincadeira e brinquedo, o último foi o menos explorado nos diferentes artigos. Fica este tema como sugestão para uma próxima coletânea, ou, quem sabe, a escrita coletiva de um livro, pois gostaria muito de vê-los produzindo não individualmente, cada um o seu próprio artigo, mas jogando com os conceitos e as noções, pois a originalidade dos enfoques, as singularidades das visões contribuiriam, de forma enriquecedora, para a continuidade da discussão dessa temática.








sexta-feira, 4 de outubro de 2013

COORDENAÇÃO DAS ATIVIDADES PRODUTIVAS NA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE JOGOS ELETRÔNICOS: HIERARQUIA, MERCADO OU ALIANÇA?


Blog JOGOS: ORIGEM, HISTÓRIA E DOWNLOADS, de autoria de Álaze Gabriel.


 

Autoria:

Alexandre PeruciaI,*; Alsones BalestrinII; Jorge VerschooreIII

Iaperucia@unisinos.br, UNISINOS, Brasil
II
abalestrin@unisinos.br, UNISINOS, Brasil
III
jorgevf@unisinos.br, UNISINOS, Brasil



RESUMO


Este estudo busca compreender como as empresas que desenvolvem jogos eletrônicos coordenam suas atividades de produção na indústria brasileira de jogos eletrônicos. Têm-se como base teórica os custos de transação e as relações interorganizacionais para a análise das estratégias de produção interna (hierarquia), contratação no mercado (mercado) e colaboração (aliança). A pesquisa foi conduzida junto às empresas da Associação Brasileira de Desenvolvedoras de Games (ABRAGAMES), e os dados foram coletados por meio de questionários eletrônicos e entrevistas em profundidade. Os resultados indicam a predominância da internalização das atividades de produção dos jogos, em função da existência de custos transacionais associados à necessidade de ativos específicos como especialização do conhecimento e escassez da mão de obra. Entretanto, observaram-se casos de estratégias de subcontratação alinhadas a atividades menos estratégicas para as empresas e de projetos colaborativos que potencializaram ganhos como redução de incerteza, flexibilidade organizacional, melhoria de processos e aprendizagem.


Palavras-chave: Custos de transação. Indústrias criativas. Jogos eletrônicos. Relações interorganizacionais.


1. INTRODUÇÃO


A indústria de jogos eletrônicos vem crescendo em importância econômica no cenário mundial. Segundo a DFC Intelligence, as vendas do mercado de jogos atingiram US$ 33 bilhões no mundo em 2006, e a expectativa é de que esse número chegue a US$ 47 bilhões até 2009 (DFC, 2007). Entretanto, mesmo com tal dimensão econômica, o mercado de jogos no Brasil é jovem e caracterizado por problemas estruturais, tais como: baixa renda da população, exclusão digital e pirataria. Assim, o país desempenha um papel modesto com um mercado estimado em R$ 87,5 milhões (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS DESENVOLVEDORAS DE GAMES, 2008). Apesar de embrionário, o mercado doméstico de jogos engloba uma nascente indústria criativa, cujo potencial mundial de crescimento é estimado em 72% entre 2005 e 2010, superando para o mesmo período os indicadores de setores criativos tradicionais como indústria fonográfica (29%), cinema (29%), esportes (40%) e livros (16%) (BARROWCLOUGH; KOZUL-WRIGHT, 2008). Tal apelo vem encorajando iniciativas locais, incluindo aquelas por parte do governo brasileiro, com programas de fomento à pesquisa, desenvolvimento tecnológico, geração de novos produtos e formação de mão de obra qualificada para empreendimentos de base tecnológica e inovadora (BRASIL, 2005).

Ao longo do seu desenvolvimento, a indústria de jogos eletrônicos evoluiu de um grupo de entusiastas criativos sem pretensões monetárias para um mercado complexo, representado por empresas interconectadas em uma cadeia de valor mundial (GRANTHAN; KAPLINSKY, 2005). Entre as atividades mais relevantes dessa cadeia, pode-se citar design, criação, desenvolvimento, teste e controle de qualidade (Quality Assurance - QA), edição/publicação, distribuição e vendas (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS DESENVOLVEDORAS DE GAMES, 2004; TSCHANG, 2005; BRASIL, 2005).

É importante ressaltar que neste trabalho a indústria de jogos é definida como as empresas responsáveis pelas atividades de produção dos jogos, cujas etapas são: design, criação, desenvolvimento, teste e controle de qualidade (QA). O processo de design compreende a definição dos elementos basilares de um jogo, tais como a mecânica e princípios de interação com o jogador. A etapa de criação artística envolve a produção de áudio e os aspectos visuais do jogo, como o desenho e modelagem gráfica de personagens, cenários e animações. O desenvolvimento tecnológico representa essencialmente a programação do software do jogo. Na etapa de QA são identificadas possíveis falhas de software ou necessidades de acabamento para o produto. Segundo Tschang (2005), o processo de produção de um jogo tende a ser pouco sequencial e carrega um alto nível de incerteza até momentos antes da finalização do projeto, quando o produto pode ser experimentado em sua plenitude.

A facilidade de comunicação introduzida pela internet fez com que as empresas da indústria de jogos eletrônicos se beneficiassem do acesso global às informações, tecnologias e recursos de outras organizações, provocando a especialização da cadeia de valor. Assim, as organizações passaram a se voltar às suas competências centrais, intensificando suas transações com parceiros externos e potencializando novas formas de articulação da produção (BRASIL, 2005). A partir dessa realidade, torna-se relevante para a competitividade das empresas uma adequada estratégia de coordenação das suas atividades produtivas, tendo em vista as oportunidades de uma empresa produzir internamente ou interagir com outras organizações para o desenvolvimento de seus projetos.

Diante desse cenário, este trabalho toma por base as teorizações de autores como Coase (1937), Williamson (1975), Jarillo (1988) e Child, Faulkner, Tallman (2005), que subsidiam a compreensão acerca da decisão estratégica de coordenação das atividades produtivas, através da compra, produção interna ou cooperação. A partir das evidências quanto à internacionalização da indústria e a consequente especialização de sua cadeia de valor, este estudo busca responder à seguinte questão: como as empresas da indústria brasileira de jogos eletrônicos coordenam suas atividades de produção para atuarem no mercado?

Visando atingir esse objetivo, o artigo estrutura-se da seguinte forma: inicia no referencial teórico a discussão dos custos de transação como influentes na escolha da forma de coordenação das atividades econômicas e a emergência de um novo modo de coordenação: a estratégia colaborativa. Na sequência, apresenta um esquema conceitual de análise das decisões estratégicas de coordenação das atividades produtivas, uma síntese da metodologia utilizada na pesquisa, bem como a análise dos principais resultados. Ao final, destacam-se as principais conclusões e implicações da pesquisa.


2. REFERENCIAL TEÓRICO


2.1. Economia dos custos de transação: produzir ou comprar?


A empresa deverá produzir internamente ou contratar no mercado? Essa é uma questão central considerada por muitos estudos no campo da estratégica e de práticas de gestão. Influenciados pelos pioneiros trabalhos de Commons (1924, 1931) e Coase (1937), um significativo número de pesquisadores tem dedicado atenção ao estudo dessas duas formas de coordenação das atividades econômicas.

Destaca-se, nesse caso, Williamson (1975) que, seguramente, dedicou ao tema boa parte de suas pesquisas. O autor considera que o modo mais eficiente para a produção de um determinado bem seria a produção de cada um dos seus componentes por empresas especializadas. Os níveis de especialização das empresas fornecedoras levariam a curvas decrescentes de custos de produção, o que tornaria mais vantajoso para a empresa compradora adquirir tais componentes no mercado, a custos menores, do que produzi-los internamente. Assim, se é mais barato adquirir os componentes de uma empresa específica do que produzir internamente, então a opção mais adequada seria a compra no mercado. No entanto, o que se observa no contexto de negócios é que o comportamento das organizações, geralmente, não ocorre dessa forma.

A explicação para tal fato, segundo Williamson (1975), é que nas relações econômicas entre empresas existem os chamados "custos de transação" (CT). Esses custos são originados pelas inerentes dificuldades de negócios no mercado. As empresas incorrem em custos de transação toda vez que precisam definir, gerenciar e controlar suas transações com outras empresas, envolvendo custos, muitas vezes negligenciados, como os de negociação e de formalização de contratos, os de obtenção e de manutenção de clientes e os de acompanhamento de valores a receber. Alguns fatores influenciam decisivamente a intensidade dos custos de transação, são eles: "racionalidade limitada" do tomador de decisões, incerteza sobre o futuro e possibilidade de um "comportamento oportunista" por parte de determinados atores econômicos e os altos investimentos em ativos específicos (GEYSKENS; STEENKAMP; KUMAR, 2006). Logo, a falta de confiança nas relações da empresa com o seu ambiente e a possibilidade de comportamento oportunista por parte de alguns agentes representam questões centrais na existência de CT.

Por muito tempo essa dualidade entre "comprar" ou "produzir" esteve subjacente às decisões estratégicas da empresa. Na maioria das vezes, uma empresa tomaria a decisão racional de internalizar a produção de um determinado bem quando o custo de produção externa (CPE), ou seja, produção a partir de um fornecedor, mais o custo de transação (CT) associado a esse fornecimento, fosse maior do que o custo de produção interna (CPI) desse bem (CPE + CT > CPI). Já a empresa adotaria a estratégia de contratação no mercado quando o CPE, mais o CT, fosse menor que o CPI desse bem (CPE + CT < CPI). Em síntese, há dois extremos possíveis de opções estratégicas para a empresa: de um lado a escolha pela produção interna dentro das próprias fronteiras hierárquicas da empresa e de outro a escolha pela aquisição no mercado dos componentes necessários.

Não obstante, Jarillo (1988) amplia a discussão quanto às estratégias de coordenação das atividades destacando que os CT podem ser afetados pela utilização de estratégias de cooperação entre as empresas. Nessa análise, o autor destaca o aspecto social da relação interorganizacional, sendo elementos como confiança e reciprocidade os indutores da ação cooperada, reduzindo o oportunismo entre os agentes econômicos que, segundo Williamson (1975), é apontado como um dos principais fatores na geração de CT. A estratégia de cooperação promove uma "atmosfera" de relacionamentos duradouros na qual a informação e o know how são trocados mais livremente entre as partes e os problemas são resolvidos de maneira eficiente. Além disso, adotando-se estratégias baseadas em cooperação, as empresas integrantes têm maior capacidade de adaptar-se às mudanças, reduzindo os custos de transação de incerteza ambiental. Conforme Jarillo (1993), esse diferencial é particularmente importante em mercados dinâmicos, com acelerado ritmo de evolução de inovações, curtos ciclos de vida dos produtos e pressões para se responder rapidamente às mudanças nas preferências dos clientes.

Diante dessas evidências, pode-se considerar que os arranjos cooperativos, pouco enfatizados pela perspectiva dos CT, tornam-se uma terceira forma de coordenação das atividades econômicas, entre a hierarquia (produzir) e o mercado (comprar). A estratégia de cooperação aponta que entre produzir internamente ou adquirir os componentes de terceiros, existe a possibilidade de produção de um produto a partir de um conjunto de empresas. Essa estratégia poderá proporcionar à empresa os benefícios da hierarquia (melhor coordenação, redução dos custos de transação) com os benefícios da contratação (aumento de flexibilidade e ganhos de especialização na produção). A dimensão das estratégias colaborativas com redução dos custos de transação será analisada a seguir.


2.2. Cooperar: a terceira via de coordenação das atividades produtivas


Em seu estudo sobre ambientes organizacionais e políticas de negócios, Astley (1984) identificou três concepções particulares da natureza organizacional. A primeira é a visão do "cavaleiro solitário", na qual as empresas assumiam o papel de pioneiras, lutando contra as contingências ambientais, sendo forçadas a se adaptar às condições impostas. A segunda concepção é a da orientação egocêntrica, em que a escolha estratégica é determinada pela autossuficiência e pela tomada de ações independentes. A terceira concepção é herdada da orientação militar da estratégia, na qual as organizações são vistas como inimigas em um ambiente voraz, sendo motivadas a assumir posições estratégicas de enfrentamento no seu campo de batalha.

Em contraposição a essas concepções, Astley (1984) apresenta a ideia de colaboração como uma alternativa de política de negócios. Transformando os conceitos de competição para cooperação, de única organização para grupo de organizações e de separação para união, o conceito de estratégia colaborativa é definido como a conjunta formulação de políticas e implementação de ações pelos membros de coletividades interorganizacionais (BALESTRIN; VERSCHOORE, 2008). As estratégias coletivas representam a necessidade das organizações de promover ações de cooperação para lidar com suas naturais interdependências dinâmicas, da mesma forma que, na natureza, muitos animais aglutinam-se em grupos para se proteger e sobreviver.

Como decorrência, a ideia de estratégias coletivas assumiu um relevante papel nas decisões empresariais pelas vantagens que apresenta. Os autores Ebers e Jarillo (1998), por exemplo, destacam que, com a adoção de estratégias coletivas, uma empresa consegue alcançar e sustentar diferenciais competitivos a partir das seguintes vantagens:


a) aprendizado mútuo, que levará a empresa a suportar melhor o processo de desenvolvimento de novos produtos;

b) coespecialidade, em que as empresas participantes tornam-se lucrativas em novos nichos de produtos e mercados;

c) melhor fluxo de informação, facilitando a coordenação do fluxo de recursos entre as empresas e reduzindo a incerteza nas relações; e

d) economias de escala, resultado de investimentos conjuntos, como, por exemplo, em novos projetos de desenvolvimento de produtos.


No desenrolar da década de 90, o conceito de estratégia coletiva agregou a ideia de coopetição. Dois autores americanos, Nalebuff e Brandenburger (1989), trouxeram à tona a discussão de que as empresas deveriam pesar as consequências de suas estratégias competitivas e colaborativas. Ao adotarem um comportamento individualista e exclusivamente competitivo, as companhias poderiam sofrer perdas irreparáveis, tal como ocorre, usualmente, nas guerras de preços. Por outro lado, a visão colaborativa abre espaço para ações oportunistas de competidores ardilosos, como o roubo de segredos, por exemplo. Como solução, as empresas devem conhecer os prós e contras das estratégias individuais e colaborativas e tomar suas decisões levando em consideração o ambiente concorrencial no qual se insere e as empresas com as quais estabelece relacionamentos de negócio.

Visando ampliar as discussões e auxiliar o gestor na definição de uma estratégia que melhor componha a utilização desses três modelos - comprar, produzir, cooperar -, Child, Faulkner, Tallman (2005) apresentam a Matriz CPC (comprar, produzir ou cooperar). A Matriz CPC (Figura 1) visa a compreensão da maneira mais adequada de conduzir as atividades produtivas da empresa e tomar as decisões de produção interna, compra no mercado ou cooperação com um parceiro. Para tanto, ela combina nos seus dois eixos a importância estratégica de uma determinada atividade e a competência da empresa em relação às melhores do mercado para realizar tal atividade.




A lógica da Matriz CPC centra-se no fato de que mesmo as maiores empresas não podem mais executar todas as atividades produtivas internamente, necessitando optar por quais atividades deve realizar. Como se pode notar na Figura 1, a empresa possui três diferentes possibilidades de decisão em relação a uma determinada atividade produtiva: ou ela produz internamente, ou a adquire no mercado, ou se alia com outras empresas para executá-la colaborativamente. As duas primeiras escolhas representam estratégias de competição individual da firma, enquanto a última representa a opção de cooperar com um parceiro.

Seguindo a orientação da Matriz CPC, se uma determinada atividade tem baixa importância estratégica para os negócios da empresa, a opção mais adequada, independentemente da competência da empresa para realizá-la, é adquirir do melhor fornecedor do mercado. Essas são atividades, como, por exemplo, limpeza, segurança e alimentação dos funcionários, para as quais existem diversos prestadores de serviços especializados. Por outro lado, se determinada atividade tem média ou alta importância estratégica para a empresa, as decisões tornam-se mais complexas. Caso a empresa tenha uma competência entre média e alta na execução da atividade, a melhor opção será realizá-la, utilizando-se das competências internas e transformando-as em um dos seus diferenciais competitivos.

Contudo, como se percebe que as empresas não possuem todas as competências para a execução de grande parte das atividades com média e alta importância estratégica, a melhor opção nesses casos é recorrer à colaboração com parceiros para desenvolvê-las, geralmente com maior eficiência, menor custo e prazo.


3. MÉTODO DE PESQUISA


O método utilizado compreende um estudo de caso da indústria brasileira de jogos eletrônicos, com foco nas empresas que produzem jogos. Essa indústria é formada por aproximadamente 60 empresas (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS DESENVOLVEDORAS DE GAMES, 2004). Para levantamento dos dados junto às empresas da indústria brasileira foram realizadas duas etapas complementares de coleta: questionário eletrônico e entrevistas em profundidade (Quadro 1).


a) Questionário eletrônico - Para essa etapa, foram analisadas as empresas que produzem jogos eletrônicos associadas à Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Games (ABRAGAMES). Os dados foram coletados a partir de um questionário eletrônico na internet, abrangendo questões abertas e fechadas, dividas em três subgrupos:


i) questões de identificação das empresas e dos entrevistados;

ii) questões sobre as atividades da cadeia de valor contempladas pelas empresas (design, criação, desenvolvimento, testes e controle de qualidade, edição digital / publicação, distribuição e vendas) e os níveis de produção interna e compra no mercado para cada atividade;

iii) importância estratégica das atividades para a empresa, e nível de competência nessas atividades. O questionário foi validado junto a especialistas, em reunião realizada em julho de 2007 e disponibilizado para as empresas da ABRAGAMES entre agosto e setembro de 2007. Obteve-se retorno de 22 das 26 empresas associadas (taxa de resposta de 84,6%);


b) Entrevista em profundidade - Com as empresas mapeadas pela primeira etapa, realizou-se a seleção daquelas que fariam parte das entrevistas. Os critérios adotados foram respectivamente:


i) atuar com produção de jogos;

ii) dez ou mais empregados (priorizando vínculos formais);

iii) atendimento às principais plataformas de jogos (celular, on-line, PC, console);

iv) experiência com alianças e internacionalização. Esses critérios foram adotados para a seleção de empresas com maior experiência no mercado, em virtude da realidade embrionária da indústria local. Foram selecionadas nove empresas para as entrevistas, realizadas em cinco cidades (Campinas, Porto Alegre, Recife, São Leopoldo e São Paulo) entre outubro e dezembro de 2007. As entrevistas foram realizadas junto aos gestores das empresas, com uma hora e meia de duração, orientada por um questionário semiestruturado, e registradas com gravador.


A análise dos dados ocorreu a partir da transcrição das entrevistas e da análise de conteúdo. Assim, identificaram-se frequências de expressões, qualificadas de acordo com as unidades de análise do referencial teórico, permitindo interpretações a partir das evidências encontradas (HAIR et al., 2005). Enquanto os dados quantitativos permitiram mapear as empresas da indústria e descrever suas características, as entrevistas em profundidade auxiliaram na compreensão das estratégias de coordenação adotadas pelas organizações. Por questões de confidencialidade, as empresas entrevistadas serão referidas pelas iniciais E1 a E9.


4. RESULTADOS E DISCUSSÕES


4.1. Características da indústria brasileira de jogos eletrônicos


As 22 empresas do estudo caracterizam-se como micro ou pequenas empresas (de 2 a 62 empregados), com uma média de 17 empregados, predominando o profissional contratado com vínculo empregatício (42% dos empregados). Das empresas que declararam receitas em 2005 e 2006 (59% das respondentes), 89% registraram aumento no faturamento, perfazendo um crescimento anual médio de 56%. Analisando-se as atividades da cadeia de valor (Tabela 1), observa-se que a configuração mais comum é a da empresa que exerce atividades de design, criação e desenvolvimento de jogos.




Entre as empresas pesquisadas, 68,2% atuam no mercado internacional. As razões mais comuns são:


i) maior demanda por serviços no exterior;

ii) desenvolvimento de produtos mais sofisticados;

iii) atenuação do impacto da pirataria e do baixo poder de compra no Brasil;

iv) busca por visibilidade e projeção da empresa; e

v) vantagem da mão de obra mais barata no Brasil. Dentre os maiores mercados internacionais destacam-se os Estados Unidos, com destino de 73,3% das exportações. Mesmo que a maioria das empresas atue no mercado internacional, as vendas no exterior são responsáveis, em média, por apenas 39% das receitas totais das empresas.


Quanto às plataformas tecnológicas dos jogos, observa-se que o Personal Computer (PC) e a internet são as mais adotadas pelas empresas (63,6% e 59,1% dos respondentes respectivamente). Os dados também indicam que essas plataformas representam, para as empresas, suas maiores fontes de receita. Pode-se observar a orientação das empresas para a produção de jogos para as plataformas internet, celular e PC que representam segmentos com poucas barreiras de entrada e volume de vendas menores. Em paralelo, nota-se uma modesta representatividade da produção para plataforma console (videogame) que, conforme a Brasil (2005), representa 75% do volume de vendas da indústria. Essa evidência pode ser explicada pelo fato de a produção de jogos para consoles ter acesso restringido pelos fabricantes (sem representação no Brasil), os quais exigem investimentos financeiros e padrões de qualidade além das possibilidades da maioria das empresas brasileiras.


4.2. Nível de importância estratégica das atividades


A importância estratégica está diretamente alinhada ao foco e posicionamento do negócio. Por exemplo, se o grande diferencial da organização está em sua tecnologia de programação de jogos, o desenvolvimento tende a ser uma atividade de alta importância estratégica. A Tabela 2 apresenta as respostas dos empresários com relação à importância estratégica de suas atividades.

A criação surge aqui como a atividade de mais alta importância estratégica (86,4% das empresas), seguida pelo desenvolvimento (81,8%) e design (72,7%). Nota-se que, na definição deste estudo, criação envolve atividades de cunho artístico, como produção sonora e visual. Entretanto, nas entrevistas constatou-se que boa parte dos empresários entende essa etapa como também sendo design, onde é elaborado o conceito do jogo. Dessa forma, há a possibilidade de que o design tenha uma importância maior do que os resultados aparentam.

Uma análise mais detalhada revela que mais da metade das empresas (54,5%) considera em conjunto as atividades de design, de criação e de desenvolvimento como as atividades altamente estratégicas. Identifica-se que a partir do elo de teste, seguindo em direção aos elos comerciais, a percepção de importância estratégica cai consistentemente. Esses indicadores reforçam uma possível orientação da maior parte das empresas para a produção interna do "jogo inteiro" e não para a especialização em etapas da produção de um jogo.


4.3. Nível de competência interna para a realização das atividades


O nível de competência define a capacidade de a empresa realizar a atividade tão bem quanto as melhores empresas do mercado. A Tabela 3 apresenta as respostas dos empresários com relação ao nível de competência que julgam possuir para a realização de suas atividades produtivas.

Segundo as evidências, o desenvolvimento foi a atividade com o maior número de empresas que demonstram alta competência (77,3% ou 17 empresas), seguida de design e criação, com 68,2% (15 empresas) cada. Assim a atividade de desenvolvimento se destaca como a melhor competência das empresas de jogos, evidência alinhada com o perfil da indústria descrito pela Brasil (2005) que caracteriza as empresas de jogos brasileiras como aquelas formadas por jovens profissionais de alta capacitação tecnológica.

Pela maior inclinação à produção, percebe-se que as empresas reportam menor competência na realização das atividades comerciais, entretanto mesmo na produção há uma diminuição forte do número de empresas com competência para a atividade de teste e QA. De forma geral, para as atividades produtivas realizadas pelas empresas, as competências são normalmente reportadas como altas ou no mínimo médias, o que combinado a importância estratégica das atividades (em geral altas) pode sugerir pouco espaço para coordenação de atividades através da compra ou cooperação.


4.4. Estratégias de coordenação das atividades produtivas


De modo geral, o que se percebe é que a grande maioria das empresas considera os elos produtivos (design, criação e desenvolvimento) como de alta importância estratégica. Da mesma forma, a maioria delas espera ter alta, ou no mínimo média competência nas mesmas atividades. Essa configuração traz implicações estratégicas, segundo Child, Faulkner, Tallman (2005), pois a tendência é a de haver uma inclinação forte para a internalização, diminuindo as possibilidades de especialização através de compra ou cooperação (Tabela 4).

A Matriz CPC (CHILD; FAULKNER; TALLMAN, 2005) reforça a ideia de que as empresas se orientam estrategicamente para a produção de um jogo inteiro (atividades de design, criação e desenvolvimento). Apenas em design e desenvolvimento se verifica a cooperação como estratégia indicada, ainda assim, para um número extremamente restrito de empresas.

As possibilidades de redução da verticalização tornam-se mais factíveis a partir do elo de teste e QA em direção aos elos comerciais. Como exemplos destacam-se o teste e o QA, e a distribuição, onde os indicadores de cinco empresas sugerem a utilização de estratégias colaborativas. Como nessas atividades as empresas apresentam menor competência interna, ao mesmo tempo em que considera como atividades relevantes, a orientação da Matriz CPC (CHILD; FAULKNER; TALLMAN, 2005) sugere a utilização, nesse caso, de projetos de cooperação com outras empresas. As decisões estratégicas face à importância estratégica e competência percebida pelos empresários são apresentadas no Quadro 2.

Observa-se um elevado nível de internalização das atividades de produção de um jogo por parte das empresas. Em alguns casos, pode-se perceber que os altos níveis de internalização são explicados pela falta de foco ou posicionamento estratégico das organizações, conforme se nota no argumento de um empresário, "[...] Acho que todas as atividades são essenciais, então somos especialistas em tudo" (E8, 2007).

Entretanto pode-se notar que a produção de um jogo está ligada a uma alta interdependência de atividades como design e programação de tecnologia (desenvolvimento), conforme destaca o empresário de E3, "[...] O design do jogo para ser feito fora teria que ser muito colaborativo, então nessa atividade as pessoas teriam que estar fisicamente presentes. A tendência é de ser (design) uma coisa viva no projeto". "[...] Ele vai evoluindo ao longo do projeto. E na programação, poderia se fazer fora em módulos, mas eu acho complicado porque exige um encaixe mais perfeito das coisas" (E3, 2007).

Essa alta interdependência pode exigir do processo de produção de um jogo uma série de atividades com elevados graus de ativos de conhecimentos específicos (GEYSKENS; STEENKAMP; KUMAR, 2006), requerendo investimentos que não são facilmente encontrados no momento de externalização das atividades, o que poderia incorrer em significativos custos de transação (WILLIAMSON, 1975).

Assim, a mão de obra tende a ser um ativo bastante específico e escasso na indústria brasileira, conforme destaca o então presidente da ABRAGAMES, André Penha, "[...] O Brasil, pelo fato de ser uma indústria muito jovem, tem poucas pessoas com larga experiência na área. Você consegue contar nos dedos quem no Brasil tem mais de cinco ou seis anos de experiência na indústria de jogos".

Essa evidência é reforçada pelo empresário de E3, "[...] Se fôssemos expandir a equipe de arte ou programação, teríamos dificuldades em conseguir profissionais com experiência aqui no Brasil. É um mercado específico, e experiência prática é realmente algo muito valorizado, mas que quase ninguém tem" (E3, 2007).

Sendo vital a qualidade da mão de obra, sua escassez poderia contribuir para a verticalização na produção, buscando assim fugir dos elevados custos com a busca de outras empresas no mercado, o que justificaria, segundo Williamson (1975) e Geyskens, Steenkamp e Kumar (2006), uma estratégia de internalização, mesmo em pequenas empresas (JARILLO, 1993). Assim, as empresas acabam por desenvolver seus talentos internamente como uma forma de evitar custos de transação, em especial relacionados aos investimentos elevados em ativos de conhecimento e experiência referente à qualificação requerida para a produção dos jogos.

Além dos elevados custos em ativos específicos na produção de jogos, há algumas evidências relacionadas à incipiência da indústria nacional, que justificam essa orientação para internalização. As empresas em geral são pequenas e têm a participação ativa de sócios, com grande experiência nas atividades-chave de produção de jogos, devido ao alto nível de especialização requerido, conforme destaca o empresário de E8, "[...] Jogos se utilizam da mais alta tecnologia, por isso se utilizam dos profissionais mais caros de TI e mais gabaritados no mercado. Podem até ser profissionais mais novos, mas são os mais capazes" (E8, 2007).

Essa questão fica evidente ao analisar pesquisas internacionais, demonstrando que a indústria de jogos surgiu nos mercados mais desenvolvidos por iniciativa de entusiastas criativos com alta capacitação técnica (GRANTHAM; KAPLINSKY, 2005). No primeiro momento as empresas da indústria internalizavam praticamente todas as atividades produtivas devido ao pequeno tamanho do mercado (JOHNS, 2006), sofrendo uma posterior desverticalização com a evolução dele, o aumento da competição e a consequente especialização dos atores (WILLIAMS, 2002; GRANTHAM; KAPLINSKY, 2005).

Ao comparar a evolução da indústria internacional, pode-se verificar que a indústria brasileira de jogos, ainda embrionária, poderá seguir um caminho de desverticalização, no momento em que aumente o número de empresas, a disponibilidade de mão de obra especializada e o fortalecimento do setor como um todo. Essa tendência pode ser percebida na observação do empresário de E5 ao retratar a diferença de estágio de desenvolvimento entre aos maiores mercados e o Brasil, "[...] A cada ano a gente tenta aumentar nosso foco; e isso é uma coisa que a gente enxergou inclusive no mercado internacional. A gente encontrou empresas de jogos que produziam apenas cenários de cidades para serem inseridos nos jogos de outras empresas, e isso é uma coisa bem específica. Nós fazemos no Brasil jogos para PC, console e jogos para propaganda que envolvem um outro know how e, além de games, você tem que trabalhar com a marca também" (E5, 2007).

A segunda observação que chama atenção, com relação às decisões estratégicas de coordenação, diz respeito à subcontratação no mercado. Nesse caso, há uma forte constância na compra de atividades de criação, tais como artes gráficas e música. Outro ponto de possível observação é que algumas empresas, em casos específicos apresentados a seguir, chegam a externalizar todas as atividades produtivas.

No que se refere à atividade de criação, que os empresários costumam chamar de arte, observa-se em alguns depoimentos que esta é uma atividade mais acessível de subcontratar. Segundo o empresário de E3, "[...] O mais simples de se contratar no mercado, em minha opinião, é arte (criação), que inclui o visual, som, música. No desenvolvimento de um jogo que tenha 100 personagens, a gente desenvolve 10 dos mais importantes e passa como referência para o outsourcing dos outros 90" (E3, 2007).

A criação parece exigir ativos menos específicos (WILLIAMSON, 1975; GEYSKENS; STEENKAMP; KUMAR, 2006) com maior oferta de profissionais no mercado e, possivelmente, com menores investimentos em ativos específicos, impactaria em menores custos de transação, como complementa o empresário de E3, "[...] Na arte (criação), visualmente tu observas o que foi entregue, tu consegues dizer na hora o que deve ser modificado, se funciona, se não funciona" (E3, 2007).

Os demais casos de subcontratação, que não se restringem apenas à criação, levam em consideração basicamente três condições: a demanda, o custo e se a atividade é estratégica para a empresa. Se as atividades tendem a representar demandas muito pontuais, que não justificam a manutenção de equipe interna, a tendência é subcontratar do melhor fornecedor do mercado, conforme orientação de Child, Faulkner, Tallman (2005) e evidenciado na percepção do empresário de E4, "[...] Às vezes a parte de ilustração, uma coisa mais específica, de interface, que não tem volume de trabalho, não faz sentido a gente manter profissionais ociosos, a gente acaba indo no mercado para contratar" (E4, 2007).

Além de demandas pontuais, a subcontratação também ocorre nos casos onde há excesso de demanda. Nessas situações começam a pesar questões de custos, mas também a própria relevância estratégica do projeto. Como apontado por Child, Faulkner, Tallman (2005), quando os projetos tendem a ter menor importância estratégica eles tendem a ser subcontratados. Questões de custos e relevância estratégica, frente a grandes demandas, podem ser observadas em comentários como o do empresário de E5, "[...] Terceirizamos quando temos a capacidade da empresa já completa, e quando é uma atividade que não é estrategicamente interessante". "[...] Tem o critério financeiro também, se quem faz essa atividade faz mais barato e melhor, ou seja, custo-benefício" (E5, 2007).

Em geral as decisões estratégicas de coordenação giram em torno da produção interna, seguida da subcontratação no mercado de demandas pontuais ou excedentes de menor sofisticação, de menor importância estratégica para a empresa e de menor valor financeiro. Embora incipiente na indústria brasileira de jogos eletrônicos, foi possível identificar alguns casos da terceira forma de coordenação: a estratégias de cooperação. As estratégias colaborativas relacionadas à indústria envolvem o desenvolvimento conjunto de novos jogos e redes de fornecedores qualificados, coordenados por uma empresa líder.

As empresas E2, E5 e E7 reportam utilizar a estratégia de desenvolvimento conjunto de jogos por necessitarem explorar novos mercados cujos investimentos seriam inviáveis para cada empresa isoladamente, compartilhando riscos e garantindo o fluxo de atividades necessárias ao projeto, minimizando incertezas e custos de transação (WILLIAMSON, 1975). Como destaca o empresário de E5, "[...] Era uma oportunidade para entrarmos no mercado de jogos. Tínhamos uma equipe forte na área de programação e a parte do nosso parceiro seria desenvolvimento de arte. Nós aí teríamos um produto que não conseguiríamos fazer sozinhos" (E5, 2007).

Com relação aos resultados da cooperação, o representante da empresa E2 percebeu ganhos de escala, desenvolvimento conjunto de produtos e ganhos de aprendizagem e melhoria de processo. Como menciona o mesmo respondente, "[...] Conseguimos um produto bastante sólido, que cada parceiro isoladamente não conseguiria fazer" (E2, 2007).

Já o representante da empresa E5 percebeu ganhos de aprendizagem, conforme argumenta, "[...] Iniciamos parte de nossa área de jogos através dessa parceria. Nossos profissionais se capacitaram devido a esse projeto. Trabalhando com uma boa empresa aprendemos a montar nossa equipe de arte" (E5, 2007).

Por fim, para a empresa E7, o projeto de desenvolvimento conjunto com seu parceiro ainda continua ocorrendo e aponta ganhos como performance, flexibilidade organizacional e ganhos de coespecialidades, afirmando que, "[...] Basicamente a gente está conseguindo viabilizar oportunidades que não conseguiria normalmente, pulando etapas do nosso desenvolvimento de forma saudável. Através da cooperação consigo responder hoje demandas que, sem a parceria, não poderia atender" (E7, 2007).

Essas evidências, ilustrando ganhos de aprendizagem e de coespecialidade, coerentes com as orientações de Ebers e Jarillo (1998).

Já a estratégia cooperativa de rede de fornecedores qualificados é normalmente coordenada por uma empresa líder. Nesse tipo de estratégia, já aprofundada nos estudos de Dyer e Nobeoka (2000) sobre a Toyota, a empresa coordenadora, ao contrário de uma simples relação de compra junto ao fornecedor, engaja-se cooperativamente com os parceiros para constantemente aprimorar seus produtos. Conforme menciona o empresário de E3, "[...] Os fornecedores recebem internamente vários procedimentos". "[...] Todas as instruções de produção de arte têm um protocolo, um trabalho bem minucioso. O trabalho em geral é feito de forma remota, com contatos via e-mail, skype e, de vez em quando, o pessoal volta aqui para revisar os métodos" (E3, 2007).

Essa evidência é reforçada pelo empresário de E8, "[...] A gente tem um projeto conjunto com nosso parceiro, e ele tem um projeto lá no estúdio dele. Mas tem um gerente de projetos dele que está aqui dentro, na nossa empresa, trabalhando ao lado do nosso gerente. Assim ele tem oportunidade de aprender os processos por osmose. E aí, no próximo projeto que for igual, ele já sabe o padrão, já sabe como deve ser" (E8, 2007).

No que se refere aos resultados atingidos pelo projeto colaborativo entre as empresas E3 e E7, observam-se ganhos de escala, maior flexibilidade, performance, aprendizagem e melhorias de processos. Nota-se também o aprendizado mútuo, que leva a empresa E3 a suportar melhor o processo de desenvolvimento de novos produtos e a redução de incertezas, outra importante fonte de custos de transação, conforme aponta seu empresário, "[...]Internamente a equipe recebe muitos procedimentos e orientações". "[...] O interessante é que a gente foi obrigada a trabalhar os processos e especificar tudo, coisa que a gente não fazia internamente. Passamos a usar inclusive nos nossos projetos. Os orçamentos ficaram mais estáveis, pois uma pessoa trabalhando internamente pode dizer que vai levar uma semana e acaba levando duas" (E3, 2007).

Já flexibilidade e escala são pontos reforçados pelo empresário de E7, "[...] O ganho está no fato de ter escala em demandas pontuais. É muito gratificante atender à demanda de um cliente que, em princípio e sem equipe interna suficiente, seria inviável (E7, 2007).

Os ganhos destacados na utilização de estratégias colaborativas foram aprofundados nos estudos de Dyer e Nobeoka (2000) sobre a Toyota, que trabalha cooperativamente com os parceiros para aprimorar constantemente seus produtos. Esses relacionamentos de longo prazo e com crescentes níveis de confiança reduzem o oportunismo, muito frequente no mercado e com forte influência nos custos de transação (WILLIAMSON, 1975). Observa-se que tal benefício também foi apontado pelas empresas que adotam estratégias colaborativas na produção de jogos eletrônicos.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


O presente artigo buscou apresentar uma caracterização da indústria brasileira de jogos eletrônicos bem como identificar as diferentes formas de coordenação das atividades produtivas adotadas pelas empresas que produzem jogos nesse setor. Conforme indicadores de importância estratégica e competência interna, informados pelas empresas, a internalização parece ser a estratégia mais recorrente, e as evidências apresentadas apontam que a adoção dessa forma de coordenação busca atacar os custos de transação, em especial aqueles atrelados a ativos de conhecimento e experiência, referentes à qualificação requerida para a produção dos jogos. Tais evidências estão alinhadas com as contribuições de Williamson (1975) e Geyskens, Steenkamp e Kumar (2006), que justificam a necessidade de altos investimentos em ativos específicos como importante fator de impacto nos custos transacionais. Tal realidade, segundo os dados levantados, parece associada à própria incipiência da indústria brasileira de jogos eletrônicos, ainda carente em termos de profissionais qualificados para a produção deles.

Apesar da predominância da produção interna, conforme teorizações dos autores e evidências da pesquisa, pode-se verificar o potencial da emergente forma de coordenação das atividades produtivas, através da cooperação, que vem sendo adotada por algumas empresas. Embora ainda pouco explorado, tal fato indica um caminho alternativo, entre as formas clássicas de produzir ou contratar, conforme orienta a Matriz CPC (CHILD; FAULKNER; TALLMAN, 2005).

As evidências demonstraram que essas estratégias colaborativas trouxeram ganhos de flexibilidade, desenvolvimento de novos produtos, coespecialização, maior escala, aprendizado, melhoria de processos e redução de incertezas, como já apontado por outros estudos em setores diversos (EBERS; JARILLO, 1998). Por outro lado, visam também mitigar os custos de transação, especialmente relacionados à redução do oportunismo e aos investimentos em ativos específicos. Tais resultados complementam outros estudos que evidenciam o potencial competitivo das estratégias colaborativas no contexto internacional, como por exemplo Jacobides e Billinger (2006) e Geyskens, Steenkamp e Kumar (2006), e de estudos brasileiros, como Balestrin e Verschoore (2008).

Ademais, este artigo procurou atender à escassez de estudos empíricos sobre a indústria de jogos, fato recorrente na literatura científica mundial de estudos organizacionais, em especial com relação ao contexto brasileiro. Nesse aspecto, os dados apresentados ilustraram um contraponto entre duas realidades estratégicas nas empresas de jogos: o predomínio de estratégias competitivas individualistas - o cavaleiro solitário (ASTLEY, 1984) e, por outro lado, a emergência do uso de estratégias colaborativas (JARILLO, 1993). Para o campo empresarial, espera-se que tais resultados provoquem reflexões sobre novas práticas gerenciais nas indústrias criativas, em especial aquelas que considerem o potencial da colaboração interorganizacional como fonte de vantagens competitivas, a exemplo do que foi evidenciado, de forma emergente, no caso da indústria de jogos eletrônicos.

Para finalizar, percebe-se a necessidade de investigações mais amplas que permitam melhor entender as diferentes condicionantes das estratégias de coordenação das atividades produtivas na indústria de jogos. Nesse sentido, salienta-se que as teorizações apresentadas são preliminares e visam, sobretudo, estimular novas investigações científicas no campo de estratégia sob a perspectiva emergente da colaboração, das relações interorganizacionais e dos custos de transação. Ressalta-se, também, que as evidências aqui apresentadas são resultado de um projeto mais amplo que está sendo desenvolvido pelos autores, buscando aprofundar o entendimento do contexto brasileiro e internacional da indústria de jogos eletrônicos. Aos interessados no tema, outros assuntos, como, por exemplo, propriedade intelectual, capital de risco, pirataria e governança, que são de elevada importância na dinâmica competitiva dessa indústria, ainda necessitam de maior aprofundamento e compreensão.


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Recebido 22/06/2009; Aceito 19/02/2010

* UNISINOS, São Leopoldo, RS, Brasil