Blog JOGOS: ORIGEM, HISTÓRIA E DOWNLOADS, de autoria
de Álaze Gabriel.
Autoria:
Alexandre
PeruciaI,*; Alsones BalestrinII; Jorge
VerschooreIII
RESUMO
Este estudo busca compreender como as empresas que
desenvolvem jogos eletrônicos coordenam suas atividades de produção na
indústria brasileira de jogos eletrônicos. Têm-se como base teórica os custos
de transação e as relações interorganizacionais para a análise das estratégias
de produção interna (hierarquia), contratação no mercado (mercado) e
colaboração (aliança). A pesquisa foi conduzida junto às empresas da Associação
Brasileira de Desenvolvedoras de Games (ABRAGAMES), e os dados foram coletados
por meio de questionários eletrônicos e entrevistas em profundidade. Os
resultados indicam a predominância da internalização das atividades de produção
dos jogos, em função da existência de custos transacionais associados à
necessidade de ativos específicos como especialização do conhecimento e
escassez da mão de obra. Entretanto, observaram-se casos de estratégias de
subcontratação alinhadas a atividades menos estratégicas para as empresas e de
projetos colaborativos que potencializaram ganhos como redução de incerteza,
flexibilidade organizacional, melhoria de processos e aprendizagem.
Palavras-chave: Custos de transação. Indústrias criativas. Jogos
eletrônicos. Relações interorganizacionais.
1. INTRODUÇÃO
A indústria de jogos eletrônicos vem crescendo em
importância econômica no cenário mundial. Segundo a DFC Intelligence, as vendas
do mercado de jogos atingiram US$ 33 bilhões no mundo em 2006, e a expectativa
é de que esse número chegue a US$ 47 bilhões até 2009 (DFC, 2007). Entretanto,
mesmo com tal dimensão econômica, o mercado de jogos no Brasil é jovem e
caracterizado por problemas estruturais, tais como: baixa renda da população,
exclusão digital e pirataria. Assim, o país desempenha um papel modesto com um
mercado estimado em R$ 87,5 milhões (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS DESENVOLVEDORAS
DE GAMES, 2008). Apesar de embrionário, o mercado doméstico de jogos engloba
uma nascente indústria criativa, cujo potencial mundial de crescimento é
estimado em 72% entre 2005 e 2010, superando para o mesmo período os
indicadores de setores criativos tradicionais como indústria fonográfica (29%),
cinema (29%), esportes (40%) e livros (16%) (BARROWCLOUGH; KOZUL-WRIGHT, 2008).
Tal apelo vem encorajando iniciativas locais, incluindo aquelas por parte do
governo brasileiro, com programas de fomento à pesquisa, desenvolvimento
tecnológico, geração de novos produtos e formação de mão de obra qualificada
para empreendimentos de base tecnológica e inovadora (BRASIL, 2005).
Ao longo do seu desenvolvimento, a indústria de
jogos eletrônicos evoluiu de um grupo de entusiastas criativos sem pretensões
monetárias para um mercado complexo, representado por empresas interconectadas
em uma cadeia de valor mundial (GRANTHAN; KAPLINSKY, 2005). Entre as atividades
mais relevantes dessa cadeia, pode-se citar design, criação,
desenvolvimento, teste e controle de qualidade (Quality Assurance - QA),
edição/publicação, distribuição e vendas (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS
DESENVOLVEDORAS DE GAMES, 2004; TSCHANG, 2005; BRASIL, 2005).
É importante ressaltar que neste trabalho a
indústria de jogos é definida como as empresas responsáveis pelas atividades de
produção dos jogos, cujas etapas são: design, criação, desenvolvimento,
teste e controle de qualidade (QA). O processo de design compreende a definição
dos elementos basilares de um jogo, tais como a mecânica e princípios de
interação com o jogador. A etapa de criação artística envolve a produção de
áudio e os aspectos visuais do jogo, como o desenho e modelagem gráfica de
personagens, cenários e animações. O desenvolvimento tecnológico representa
essencialmente a programação do software do jogo. Na etapa de QA são
identificadas possíveis falhas de software ou necessidades de acabamento
para o produto. Segundo Tschang (2005), o processo de produção de um jogo tende
a ser pouco sequencial e carrega um alto nível de incerteza até momentos antes
da finalização do projeto, quando o produto pode ser experimentado em sua
plenitude.
A facilidade de comunicação introduzida pela
internet fez com que as empresas da indústria de jogos eletrônicos se
beneficiassem do acesso global às informações, tecnologias e recursos de outras
organizações, provocando a especialização da cadeia de valor. Assim, as
organizações passaram a se voltar às suas competências centrais, intensificando
suas transações com parceiros externos e potencializando novas formas de
articulação da produção (BRASIL, 2005). A partir dessa realidade, torna-se
relevante para a competitividade das empresas uma adequada estratégia de coordenação
das suas atividades produtivas, tendo em vista as oportunidades de uma empresa
produzir internamente ou interagir com outras organizações para o
desenvolvimento de seus projetos.
Diante desse cenário, este trabalho toma por base
as teorizações de autores como Coase (1937), Williamson (1975), Jarillo (1988)
e Child, Faulkner, Tallman (2005), que subsidiam a compreensão acerca da
decisão estratégica de coordenação das atividades produtivas, através da
compra, produção interna ou cooperação. A partir das evidências quanto à
internacionalização da indústria e a consequente especialização de sua cadeia
de valor, este estudo busca responder à seguinte questão: como as empresas da
indústria brasileira de jogos eletrônicos coordenam suas atividades de produção
para atuarem no mercado?
Visando atingir esse objetivo, o artigo
estrutura-se da seguinte forma: inicia no referencial teórico a discussão dos
custos de transação como influentes na escolha da forma de coordenação das
atividades econômicas e a emergência de um novo modo de coordenação: a
estratégia colaborativa. Na sequência, apresenta um esquema conceitual de
análise das decisões estratégicas de coordenação das atividades produtivas, uma
síntese da metodologia utilizada na pesquisa, bem como a análise dos principais
resultados. Ao final, destacam-se as principais conclusões e implicações da
pesquisa.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Economia dos custos de transação: produzir ou
comprar?
A empresa deverá produzir internamente ou contratar
no mercado? Essa é uma questão central considerada por muitos estudos no campo
da estratégica e de práticas de gestão. Influenciados pelos pioneiros trabalhos
de Commons (1924, 1931) e Coase (1937), um significativo número de
pesquisadores tem dedicado atenção ao estudo dessas duas formas de coordenação
das atividades econômicas.
Destaca-se, nesse caso, Williamson (1975) que,
seguramente, dedicou ao tema boa parte de suas pesquisas. O autor considera que
o modo mais eficiente para a produção de um determinado bem seria a produção de
cada um dos seus componentes por empresas especializadas. Os níveis de
especialização das empresas fornecedoras levariam a curvas decrescentes de
custos de produção, o que tornaria mais vantajoso para a empresa compradora
adquirir tais componentes no mercado, a custos menores, do que produzi-los
internamente. Assim, se é mais barato adquirir os componentes de uma empresa
específica do que produzir internamente, então a opção mais adequada seria a
compra no mercado. No entanto, o que se observa no contexto de negócios é que o
comportamento das organizações, geralmente, não ocorre dessa forma.
A explicação para tal fato, segundo Williamson
(1975), é que nas relações econômicas entre empresas existem os chamados
"custos de transação" (CT). Esses custos são originados pelas
inerentes dificuldades de negócios no mercado. As empresas incorrem em custos
de transação toda vez que precisam definir, gerenciar e controlar suas transações
com outras empresas, envolvendo custos, muitas vezes negligenciados, como os de
negociação e de formalização de contratos, os de obtenção e de manutenção de
clientes e os de acompanhamento de valores a receber. Alguns fatores
influenciam decisivamente a intensidade dos custos de transação, são eles:
"racionalidade limitada" do tomador de decisões, incerteza sobre o
futuro e possibilidade de um "comportamento oportunista" por parte de
determinados atores econômicos e os altos investimentos em ativos específicos (GEYSKENS;
STEENKAMP; KUMAR, 2006). Logo, a falta de confiança nas relações da empresa com
o seu ambiente e a possibilidade de comportamento oportunista por parte de
alguns agentes representam questões centrais na existência de CT.
Por muito tempo essa dualidade entre
"comprar" ou "produzir" esteve subjacente às decisões
estratégicas da empresa. Na maioria das vezes, uma empresa tomaria a decisão
racional de internalizar a produção de um determinado bem quando o custo de
produção externa (CPE), ou seja, produção a partir de um fornecedor, mais o
custo de transação (CT) associado a esse fornecimento, fosse maior do que o
custo de produção interna (CPI) desse bem (CPE + CT > CPI). Já a empresa
adotaria a estratégia de contratação no mercado quando o CPE, mais o CT, fosse
menor que o CPI desse bem (CPE + CT < CPI). Em síntese, há dois extremos
possíveis de opções estratégicas para a empresa: de um lado a escolha pela
produção interna dentro das próprias fronteiras hierárquicas da empresa e de
outro a escolha pela aquisição no mercado dos componentes necessários.
Não obstante, Jarillo (1988) amplia a discussão
quanto às estratégias de coordenação das atividades destacando que os CT podem
ser afetados pela utilização de estratégias de cooperação entre as empresas. Nessa
análise, o autor destaca o aspecto social da relação interorganizacional, sendo
elementos como confiança e reciprocidade os indutores da ação cooperada,
reduzindo o oportunismo entre os agentes econômicos que, segundo Williamson
(1975), é apontado como um dos principais fatores na geração de CT. A
estratégia de cooperação promove uma "atmosfera" de relacionamentos
duradouros na qual a informação e o know how são trocados mais
livremente entre as partes e os problemas são resolvidos de maneira eficiente.
Além disso, adotando-se estratégias baseadas em cooperação, as empresas
integrantes têm maior capacidade de adaptar-se às mudanças, reduzindo os custos
de transação de incerteza ambiental. Conforme Jarillo (1993), esse diferencial
é particularmente importante em mercados dinâmicos, com acelerado ritmo de
evolução de inovações, curtos ciclos de vida dos produtos e pressões para se
responder rapidamente às mudanças nas preferências dos clientes.
Diante dessas evidências, pode-se considerar que os
arranjos cooperativos, pouco enfatizados pela perspectiva dos CT, tornam-se uma
terceira forma de coordenação das atividades econômicas, entre a hierarquia
(produzir) e o mercado (comprar). A estratégia de cooperação aponta que entre
produzir internamente ou adquirir os componentes de terceiros, existe a
possibilidade de produção de um produto a partir de um conjunto de empresas.
Essa estratégia poderá proporcionar à empresa os benefícios da hierarquia
(melhor coordenação, redução dos custos de transação) com os benefícios da
contratação (aumento de flexibilidade e ganhos de especialização na produção).
A dimensão das estratégias colaborativas com redução dos custos de transação
será analisada a seguir.
2.2. Cooperar: a terceira via de coordenação das
atividades produtivas
Em seu estudo sobre ambientes organizacionais e
políticas de negócios, Astley (1984) identificou três concepções particulares
da natureza organizacional. A primeira é a visão do "cavaleiro
solitário", na qual as empresas assumiam o papel de pioneiras, lutando
contra as contingências ambientais, sendo forçadas a se adaptar às condições
impostas. A segunda concepção é a da orientação egocêntrica, em que a escolha
estratégica é determinada pela autossuficiência e pela tomada de ações
independentes. A terceira concepção é herdada da orientação militar da
estratégia, na qual as organizações são vistas como inimigas em um ambiente
voraz, sendo motivadas a assumir posições estratégicas de enfrentamento no seu
campo de batalha.
Em contraposição a essas concepções, Astley (1984)
apresenta a ideia de colaboração como uma alternativa de política de negócios.
Transformando os conceitos de competição para cooperação, de única organização
para grupo de organizações e de separação para união, o conceito de estratégia
colaborativa é definido como a conjunta formulação de políticas e implementação
de ações pelos membros de coletividades interorganizacionais (BALESTRIN;
VERSCHOORE, 2008). As estratégias coletivas representam a necessidade das
organizações de promover ações de cooperação para lidar com suas naturais
interdependências dinâmicas, da mesma forma que, na natureza, muitos animais
aglutinam-se em grupos para se proteger e sobreviver.
Como decorrência, a ideia de estratégias coletivas
assumiu um relevante papel nas decisões empresariais pelas vantagens que
apresenta. Os autores Ebers e Jarillo (1998), por exemplo, destacam que, com a
adoção de estratégias coletivas, uma empresa consegue alcançar e sustentar
diferenciais competitivos a partir das seguintes vantagens:
a) aprendizado mútuo, que levará a empresa a
suportar melhor o processo de desenvolvimento de novos produtos;
b) coespecialidade, em que as empresas
participantes tornam-se lucrativas em novos nichos de produtos e mercados;
c) melhor fluxo de informação, facilitando a
coordenação do fluxo de recursos entre as empresas e reduzindo a incerteza nas
relações; e
d) economias de escala, resultado de investimentos
conjuntos, como, por exemplo, em novos projetos de desenvolvimento de produtos.
No desenrolar da década de 90, o conceito de
estratégia coletiva agregou a ideia de coopetição. Dois autores americanos,
Nalebuff e Brandenburger (1989), trouxeram à tona a discussão de que as
empresas deveriam pesar as consequências de suas estratégias competitivas e colaborativas.
Ao adotarem um comportamento individualista e exclusivamente competitivo, as
companhias poderiam sofrer perdas irreparáveis, tal como ocorre, usualmente,
nas guerras de preços. Por outro lado, a visão colaborativa abre espaço para
ações oportunistas de competidores ardilosos, como o roubo de segredos, por
exemplo. Como solução, as empresas devem conhecer os prós e contras das
estratégias individuais e colaborativas e tomar suas decisões levando em
consideração o ambiente concorrencial no qual se insere e as empresas com as
quais estabelece relacionamentos de negócio.
Visando ampliar as discussões e auxiliar o gestor
na definição de uma estratégia que melhor componha a utilização desses três
modelos - comprar, produzir, cooperar -, Child, Faulkner, Tallman (2005)
apresentam a Matriz CPC (comprar, produzir ou cooperar). A Matriz CPC (Figura 1) visa a compreensão da maneira
mais adequada de conduzir as atividades produtivas da empresa e tomar as
decisões de produção interna, compra no mercado ou cooperação com um parceiro.
Para tanto, ela combina nos seus dois eixos a importância estratégica de uma
determinada atividade e a competência da empresa em relação às melhores do
mercado para realizar tal atividade.
A lógica da Matriz CPC centra-se no fato de que
mesmo as maiores empresas não podem mais executar todas as atividades
produtivas internamente, necessitando optar por quais atividades deve realizar.
Como se pode notar na Figura 1, a empresa possui três
diferentes possibilidades de decisão em relação a uma determinada atividade
produtiva: ou ela produz internamente, ou a adquire no mercado, ou se alia com
outras empresas para executá-la colaborativamente. As duas primeiras escolhas
representam estratégias de competição individual da firma, enquanto a última
representa a opção de cooperar com um parceiro.
Seguindo a orientação da Matriz CPC, se uma
determinada atividade tem baixa importância estratégica para os negócios da
empresa, a opção mais adequada, independentemente da competência da empresa
para realizá-la, é adquirir do melhor fornecedor do mercado. Essas são
atividades, como, por exemplo, limpeza, segurança e alimentação dos
funcionários, para as quais existem diversos prestadores de serviços
especializados. Por outro lado, se determinada atividade tem média ou alta
importância estratégica para a empresa, as decisões tornam-se mais complexas.
Caso a empresa tenha uma competência entre média e alta na execução da
atividade, a melhor opção será realizá-la, utilizando-se das competências
internas e transformando-as em um dos seus diferenciais competitivos.
Contudo, como se percebe que as empresas não
possuem todas as competências para a execução de grande parte das atividades
com média e alta importância estratégica, a melhor opção nesses casos é
recorrer à colaboração com parceiros para desenvolvê-las, geralmente com maior
eficiência, menor custo e prazo.
3. MÉTODO DE PESQUISA
O método utilizado compreende um estudo de caso da
indústria brasileira de jogos eletrônicos, com foco nas empresas que produzem
jogos. Essa indústria é formada por aproximadamente 60 empresas (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DAS DESENVOLVEDORAS DE GAMES, 2004). Para levantamento dos dados
junto às empresas da indústria brasileira foram realizadas duas etapas
complementares de coleta: questionário eletrônico e entrevistas em profundidade
(Quadro 1).
a) Questionário eletrônico - Para essa etapa, foram
analisadas as empresas que produzem jogos eletrônicos associadas à Associação
Brasileira dos Desenvolvedores de Games (ABRAGAMES). Os dados foram coletados a
partir de um questionário eletrônico na internet, abrangendo questões abertas e
fechadas, dividas em três subgrupos:
i) questões de identificação das empresas e dos
entrevistados;
ii) questões sobre as atividades da cadeia de valor
contempladas pelas empresas (design, criação, desenvolvimento, testes e
controle de qualidade, edição digital / publicação, distribuição e vendas) e os
níveis de produção interna e compra no mercado para cada atividade;
iii) importância estratégica das atividades para a
empresa, e nível de competência nessas atividades. O questionário foi validado
junto a especialistas, em reunião realizada em julho de 2007 e disponibilizado
para as empresas da ABRAGAMES entre agosto e setembro de 2007. Obteve-se
retorno de 22 das 26 empresas associadas (taxa de resposta de 84,6%);
b) Entrevista em profundidade - Com as empresas
mapeadas pela primeira etapa, realizou-se a seleção daquelas que fariam parte
das entrevistas. Os critérios adotados foram respectivamente:
i) atuar com produção de jogos;
ii) dez ou mais empregados (priorizando vínculos
formais);
iii) atendimento às principais plataformas de jogos
(celular, on-line, PC, console);
iv) experiência com alianças e internacionalização.
Esses critérios foram adotados para a seleção de empresas com maior experiência
no mercado, em virtude da realidade embrionária da indústria local. Foram
selecionadas nove empresas para as entrevistas, realizadas em cinco cidades
(Campinas, Porto Alegre, Recife, São Leopoldo e São Paulo) entre outubro e
dezembro de 2007. As entrevistas foram realizadas junto aos gestores das
empresas, com uma hora e meia de duração, orientada por um questionário
semiestruturado, e registradas com gravador.
A análise dos dados ocorreu a partir da transcrição
das entrevistas e da análise de conteúdo. Assim, identificaram-se frequências
de expressões, qualificadas de acordo com as unidades de análise do referencial
teórico, permitindo interpretações a partir das evidências encontradas (HAIR et
al., 2005). Enquanto os dados quantitativos permitiram mapear as empresas da
indústria e descrever suas características, as entrevistas em profundidade
auxiliaram na compreensão das estratégias de coordenação adotadas pelas
organizações. Por questões de confidencialidade, as empresas entrevistadas
serão referidas pelas iniciais E1 a E9.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1. Características da indústria brasileira de
jogos eletrônicos
As 22 empresas do estudo caracterizam-se como micro
ou pequenas empresas (de 2 a 62 empregados), com uma média de 17 empregados,
predominando o profissional contratado com vínculo empregatício (42% dos
empregados). Das empresas que declararam receitas em 2005 e 2006 (59% das
respondentes), 89% registraram aumento no faturamento, perfazendo um
crescimento anual médio de 56%. Analisando-se as atividades da cadeia de valor
(Tabela 1), observa-se que a configuração
mais comum é a da empresa que exerce atividades de design, criação e
desenvolvimento de jogos.
Entre as empresas pesquisadas, 68,2% atuam no
mercado internacional. As razões mais comuns são:
i) maior demanda por serviços no exterior;
ii) desenvolvimento de produtos mais sofisticados;
iii) atenuação do impacto da pirataria e do baixo
poder de compra no Brasil;
iv) busca por visibilidade e projeção da empresa; e
v) vantagem da mão de obra mais barata no Brasil.
Dentre os maiores mercados internacionais destacam-se os Estados Unidos, com
destino de 73,3% das exportações. Mesmo que a maioria das empresas atue no
mercado internacional, as vendas no exterior são responsáveis, em média, por
apenas 39% das receitas totais das empresas.
Quanto às plataformas tecnológicas dos jogos,
observa-se que o Personal Computer (PC) e a internet são as mais
adotadas pelas empresas (63,6% e 59,1% dos respondentes respectivamente). Os
dados também indicam que essas plataformas representam, para as empresas, suas
maiores fontes de receita. Pode-se observar a orientação das empresas para a
produção de jogos para as plataformas internet, celular e PC que representam
segmentos com poucas barreiras de entrada e volume de vendas menores. Em
paralelo, nota-se uma modesta representatividade da produção para plataforma
console (videogame) que, conforme a Brasil (2005), representa 75% do volume de
vendas da indústria. Essa evidência pode ser explicada pelo fato de a produção
de jogos para consoles ter acesso restringido pelos fabricantes (sem representação
no Brasil), os quais exigem investimentos financeiros e padrões de qualidade
além das possibilidades da maioria das empresas brasileiras.
4.2. Nível de importância estratégica das
atividades
A importância estratégica está diretamente alinhada
ao foco e posicionamento do negócio. Por exemplo, se o grande diferencial da
organização está em sua tecnologia de programação de jogos, o desenvolvimento
tende a ser uma atividade de alta importância estratégica. A Tabela 2 apresenta as respostas dos
empresários com relação à importância estratégica de suas atividades.
A criação surge aqui como a atividade de mais alta
importância estratégica (86,4% das empresas), seguida pelo desenvolvimento
(81,8%) e design (72,7%). Nota-se que, na definição deste estudo,
criação envolve atividades de cunho artístico, como produção sonora e visual.
Entretanto, nas entrevistas constatou-se que boa parte dos empresários entende
essa etapa como também sendo design, onde é elaborado o conceito do
jogo. Dessa forma, há a possibilidade de que o design tenha uma
importância maior do que os resultados aparentam.
Uma análise mais detalhada revela que mais da
metade das empresas (54,5%) considera em conjunto as atividades de design,
de criação e de desenvolvimento como as atividades altamente estratégicas.
Identifica-se que a partir do elo de teste, seguindo em direção aos elos
comerciais, a percepção de importância estratégica cai consistentemente. Esses
indicadores reforçam uma possível orientação da maior parte das empresas para a
produção interna do "jogo inteiro" e não para a especialização em
etapas da produção de um jogo.
4.3. Nível de competência interna para a realização
das atividades
O nível de competência define a capacidade de a
empresa realizar a atividade tão bem quanto as melhores empresas do mercado. A Tabela 3 apresenta as respostas dos
empresários com relação ao nível de competência que julgam possuir para a
realização de suas atividades produtivas.
Segundo as evidências, o desenvolvimento foi a
atividade com o maior número de empresas que demonstram alta competência (77,3%
ou 17 empresas), seguida de design e criação, com 68,2% (15 empresas)
cada. Assim a atividade de desenvolvimento se destaca como a melhor competência
das empresas de jogos, evidência alinhada com o perfil da indústria descrito
pela Brasil (2005) que caracteriza as empresas de jogos brasileiras como
aquelas formadas por jovens profissionais de alta capacitação tecnológica.
Pela maior inclinação à produção, percebe-se que as
empresas reportam menor competência na realização das atividades comerciais,
entretanto mesmo na produção há uma diminuição forte do número de empresas com
competência para a atividade de teste e QA. De forma geral, para as atividades
produtivas realizadas pelas empresas, as competências são normalmente
reportadas como altas ou no mínimo médias, o que combinado a importância
estratégica das atividades (em geral altas) pode sugerir pouco espaço para
coordenação de atividades através da compra ou cooperação.
4.4. Estratégias de coordenação das atividades
produtivas
De modo geral, o que se percebe é que a grande
maioria das empresas considera os elos produtivos (design, criação e
desenvolvimento) como de alta importância estratégica. Da mesma forma, a
maioria delas espera ter alta, ou no mínimo média competência nas mesmas
atividades. Essa configuração traz implicações estratégicas, segundo Child,
Faulkner, Tallman (2005), pois a tendência é a de haver uma inclinação forte
para a internalização, diminuindo as possibilidades de especialização através
de compra ou cooperação (Tabela 4).
A Matriz CPC (CHILD; FAULKNER; TALLMAN, 2005)
reforça a ideia de que as empresas se orientam estrategicamente para a produção
de um jogo inteiro (atividades de design, criação e desenvolvimento).
Apenas em design e desenvolvimento se verifica a cooperação como
estratégia indicada, ainda assim, para um número extremamente restrito de
empresas.
As possibilidades de redução da verticalização
tornam-se mais factíveis a partir do elo de teste e QA em direção aos elos
comerciais. Como exemplos destacam-se o teste e o QA, e a distribuição, onde os
indicadores de cinco empresas sugerem a utilização de estratégias
colaborativas. Como nessas atividades as empresas apresentam menor competência
interna, ao mesmo tempo em que considera como atividades relevantes, a
orientação da Matriz CPC (CHILD; FAULKNER; TALLMAN, 2005) sugere a utilização,
nesse caso, de projetos de cooperação com outras empresas. As decisões
estratégicas face à importância estratégica e competência percebida pelos
empresários são apresentadas no Quadro 2.
Observa-se um elevado nível de internalização das
atividades de produção de um jogo por parte das empresas. Em alguns casos,
pode-se perceber que os altos níveis de internalização são explicados pela
falta de foco ou posicionamento estratégico das organizações, conforme se nota
no argumento de um empresário, "[...] Acho que todas as atividades são
essenciais, então somos especialistas em tudo" (E8, 2007).
Entretanto pode-se notar que a produção de um jogo
está ligada a uma alta interdependência de atividades como design e programação
de tecnologia (desenvolvimento), conforme destaca o empresário de E3,
"[...] O design do jogo para ser feito fora teria que ser muito
colaborativo, então nessa atividade as pessoas teriam que estar fisicamente
presentes. A tendência é de ser (design) uma coisa viva no projeto".
"[...] Ele vai evoluindo ao longo do projeto. E na programação, poderia
se fazer fora em módulos, mas eu acho complicado porque exige um encaixe mais
perfeito das coisas" (E3, 2007).
Essa alta interdependência pode exigir do processo
de produção de um jogo uma série de atividades com elevados graus de ativos de
conhecimentos específicos (GEYSKENS; STEENKAMP; KUMAR, 2006), requerendo
investimentos que não são facilmente encontrados no momento de externalização
das atividades, o que poderia incorrer em significativos custos de transação
(WILLIAMSON, 1975).
Assim, a mão de obra tende a ser um ativo bastante
específico e escasso na indústria brasileira, conforme destaca o então
presidente da ABRAGAMES, André Penha, "[...] O Brasil, pelo fato de ser
uma indústria muito jovem, tem poucas pessoas com larga experiência na área.
Você consegue contar nos dedos quem no Brasil tem mais de cinco ou seis anos de
experiência na indústria de jogos".
Essa evidência é reforçada pelo empresário de E3,
"[...] Se fôssemos expandir a equipe de arte ou programação, teríamos
dificuldades em conseguir profissionais com experiência aqui no Brasil. É um
mercado específico, e experiência prática é realmente algo muito valorizado,
mas que quase ninguém tem" (E3, 2007).
Sendo vital a qualidade da mão de obra, sua
escassez poderia contribuir para a verticalização na produção, buscando assim
fugir dos elevados custos com a busca de outras empresas no mercado, o que
justificaria, segundo Williamson (1975) e Geyskens, Steenkamp e Kumar (2006),
uma estratégia de internalização, mesmo em pequenas empresas (JARILLO, 1993).
Assim, as empresas acabam por desenvolver seus talentos internamente como uma
forma de evitar custos de transação, em especial relacionados aos investimentos
elevados em ativos de conhecimento e experiência referente à qualificação
requerida para a produção dos jogos.
Além dos elevados custos em ativos específicos na
produção de jogos, há algumas evidências relacionadas à incipiência da
indústria nacional, que justificam essa orientação para internalização. As
empresas em geral são pequenas e têm a participação ativa de sócios, com grande
experiência nas atividades-chave de produção de jogos, devido ao alto nível de
especialização requerido, conforme destaca o empresário de E8, "[...] Jogos
se utilizam da mais alta tecnologia, por isso se utilizam dos profissionais
mais caros de TI e mais gabaritados no mercado. Podem até ser profissionais
mais novos, mas são os mais capazes" (E8, 2007).
Essa questão fica evidente ao analisar pesquisas
internacionais, demonstrando que a indústria de jogos surgiu nos mercados mais
desenvolvidos por iniciativa de entusiastas criativos com alta capacitação
técnica (GRANTHAM; KAPLINSKY, 2005). No primeiro momento as empresas da
indústria internalizavam praticamente todas as atividades produtivas devido ao
pequeno tamanho do mercado (JOHNS, 2006), sofrendo uma posterior
desverticalização com a evolução dele, o aumento da competição e a consequente
especialização dos atores (WILLIAMS, 2002; GRANTHAM; KAPLINSKY, 2005).
Ao comparar a evolução da indústria internacional,
pode-se verificar que a indústria brasileira de jogos, ainda embrionária,
poderá seguir um caminho de desverticalização, no momento em que aumente o
número de empresas, a disponibilidade de mão de obra especializada e o
fortalecimento do setor como um todo. Essa tendência pode ser percebida na
observação do empresário de E5 ao retratar a diferença de estágio de
desenvolvimento entre aos maiores mercados e o Brasil, "[...] A cada
ano a gente tenta aumentar nosso foco; e isso é uma coisa que a gente enxergou
inclusive no mercado internacional. A gente encontrou empresas de jogos que
produziam apenas cenários de cidades para serem inseridos nos jogos de outras
empresas, e isso é uma coisa bem específica. Nós fazemos no Brasil jogos para
PC, console e jogos para propaganda que envolvem um outro know how e, além de
games, você tem que trabalhar com a marca também" (E5, 2007).
A segunda observação que chama atenção, com relação
às decisões estratégicas de coordenação, diz respeito à subcontratação no
mercado. Nesse caso, há uma forte constância na compra de atividades de
criação, tais como artes gráficas e música. Outro ponto de possível observação
é que algumas empresas, em casos específicos apresentados a seguir, chegam a
externalizar todas as atividades produtivas.
No que se refere à atividade de criação, que os
empresários costumam chamar de arte, observa-se em alguns depoimentos que esta
é uma atividade mais acessível de subcontratar. Segundo o empresário de E3,
"[...] O mais simples de se contratar no mercado, em minha opinião, é
arte (criação), que inclui o visual, som, música. No desenvolvimento de um jogo
que tenha 100 personagens, a gente desenvolve 10 dos mais importantes e passa
como referência para o outsourcing dos outros 90" (E3, 2007).
A criação parece exigir ativos menos específicos
(WILLIAMSON, 1975; GEYSKENS; STEENKAMP; KUMAR, 2006) com maior oferta de
profissionais no mercado e, possivelmente, com menores investimentos em ativos
específicos, impactaria em menores custos de transação, como complementa o
empresário de E3, "[...] Na arte (criação), visualmente tu observas o
que foi entregue, tu consegues dizer na hora o que deve ser modificado, se
funciona, se não funciona" (E3, 2007).
Os demais casos de subcontratação, que não se
restringem apenas à criação, levam em consideração basicamente três condições:
a demanda, o custo e se a atividade é estratégica para a empresa. Se as
atividades tendem a representar demandas muito pontuais, que não justificam a
manutenção de equipe interna, a tendência é subcontratar do melhor fornecedor
do mercado, conforme orientação de Child, Faulkner, Tallman (2005) e
evidenciado na percepção do empresário de E4, "[...] Às vezes a parte
de ilustração, uma coisa mais específica, de interface, que não tem volume de
trabalho, não faz sentido a gente manter profissionais ociosos, a gente acaba
indo no mercado para contratar" (E4, 2007).
Além de demandas pontuais, a subcontratação também
ocorre nos casos onde há excesso de demanda. Nessas situações começam a pesar
questões de custos, mas também a própria relevância estratégica do projeto.
Como apontado por Child, Faulkner, Tallman (2005), quando os projetos tendem a
ter menor importância estratégica eles tendem a ser subcontratados. Questões de
custos e relevância estratégica, frente a grandes demandas, podem ser
observadas em comentários como o do empresário de E5, "[...] Terceirizamos
quando temos a capacidade da empresa já completa, e quando é uma atividade que
não é estrategicamente interessante". "[...] Tem o critério
financeiro também, se quem faz essa atividade faz mais barato e melhor, ou
seja, custo-benefício" (E5, 2007).
Em geral as decisões estratégicas de coordenação
giram em torno da produção interna, seguida da subcontratação no mercado de
demandas pontuais ou excedentes de menor sofisticação, de menor importância
estratégica para a empresa e de menor valor financeiro. Embora incipiente na
indústria brasileira de jogos eletrônicos, foi possível identificar alguns
casos da terceira forma de coordenação: a estratégias de cooperação. As
estratégias colaborativas relacionadas à indústria envolvem o desenvolvimento
conjunto de novos jogos e redes de fornecedores qualificados, coordenados por
uma empresa líder.
As empresas E2, E5 e E7 reportam utilizar a
estratégia de desenvolvimento conjunto de jogos por necessitarem explorar novos
mercados cujos investimentos seriam inviáveis para cada empresa isoladamente,
compartilhando riscos e garantindo o fluxo de atividades necessárias ao
projeto, minimizando incertezas e custos de transação (WILLIAMSON, 1975). Como
destaca o empresário de E5, "[...] Era uma oportunidade para entrarmos
no mercado de jogos. Tínhamos uma equipe forte na área de programação e a parte
do nosso parceiro seria desenvolvimento de arte. Nós aí teríamos um produto que
não conseguiríamos fazer sozinhos" (E5, 2007).
Com relação aos resultados da cooperação, o
representante da empresa E2 percebeu ganhos de escala, desenvolvimento conjunto
de produtos e ganhos de aprendizagem e melhoria de processo. Como menciona o
mesmo respondente, "[...] Conseguimos um produto bastante sólido, que
cada parceiro isoladamente não conseguiria fazer" (E2, 2007).
Já o representante da empresa E5 percebeu ganhos de
aprendizagem, conforme argumenta, "[...] Iniciamos parte de nossa área de
jogos através dessa parceria. Nossos profissionais se capacitaram devido a
esse projeto. Trabalhando com uma boa empresa aprendemos a montar nossa equipe
de arte" (E5, 2007).
Por fim, para a empresa E7, o projeto de
desenvolvimento conjunto com seu parceiro ainda continua ocorrendo e aponta
ganhos como performance, flexibilidade organizacional e ganhos de coespecialidades,
afirmando que, "[...] Basicamente a gente está conseguindo viabilizar
oportunidades que não conseguiria normalmente, pulando etapas do nosso
desenvolvimento de forma saudável. Através da cooperação consigo responder hoje
demandas que, sem a parceria, não poderia atender" (E7, 2007).
Essas evidências, ilustrando ganhos de aprendizagem
e de coespecialidade, coerentes com as orientações de Ebers e Jarillo (1998).
Já a estratégia cooperativa de rede de fornecedores
qualificados é normalmente coordenada por uma empresa líder. Nesse tipo de
estratégia, já aprofundada nos estudos de Dyer e Nobeoka (2000) sobre a Toyota,
a empresa coordenadora, ao contrário de uma simples relação de compra junto ao
fornecedor, engaja-se cooperativamente com os parceiros para constantemente
aprimorar seus produtos. Conforme menciona o empresário de E3, "[...] Os
fornecedores recebem internamente vários procedimentos". "[...] Todas
as instruções de produção de arte têm um protocolo, um trabalho bem minucioso.
O trabalho em geral é feito de forma remota, com contatos via e-mail, skype e,
de vez em quando, o pessoal volta aqui para revisar os métodos" (E3,
2007).
Essa evidência é reforçada pelo empresário de E8,
"[...] A gente tem um projeto conjunto com nosso parceiro, e ele tem um
projeto lá no estúdio dele. Mas tem um gerente de projetos dele que está aqui
dentro, na nossa empresa, trabalhando ao lado do nosso gerente. Assim ele tem
oportunidade de aprender os processos por osmose. E aí, no próximo projeto que
for igual, ele já sabe o padrão, já sabe como deve ser" (E8, 2007).
No que se refere aos resultados atingidos pelo
projeto colaborativo entre as empresas E3 e E7, observam-se ganhos de escala,
maior flexibilidade, performance, aprendizagem e melhorias de processos.
Nota-se também o aprendizado mútuo, que leva a empresa E3 a suportar melhor o
processo de desenvolvimento de novos produtos e a redução de incertezas, outra
importante fonte de custos de transação, conforme aponta seu empresário,
"[...]Internamente a equipe recebe muitos procedimentos e orientações".
"[...] O interessante é que a gente foi obrigada a trabalhar os
processos e especificar tudo, coisa que a gente não fazia internamente.
Passamos a usar inclusive nos nossos projetos. Os orçamentos ficaram mais
estáveis, pois uma pessoa trabalhando internamente pode dizer que vai levar uma
semana e acaba levando duas" (E3, 2007).
Já flexibilidade e escala são pontos reforçados
pelo empresário de E7, "[...] O ganho está no fato de ter escala em
demandas pontuais. É muito gratificante atender à demanda de um cliente que, em
princípio e sem equipe interna suficiente, seria inviável (E7, 2007).
Os ganhos destacados na utilização de estratégias
colaborativas foram aprofundados nos estudos de Dyer e Nobeoka (2000) sobre a
Toyota, que trabalha cooperativamente com os parceiros para aprimorar
constantemente seus produtos. Esses relacionamentos de longo prazo e com
crescentes níveis de confiança reduzem o oportunismo, muito frequente no
mercado e com forte influência nos custos de transação (WILLIAMSON, 1975).
Observa-se que tal benefício também foi apontado pelas empresas que adotam
estratégias colaborativas na produção de jogos eletrônicos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou apresentar uma
caracterização da indústria brasileira de jogos eletrônicos bem como
identificar as diferentes formas de coordenação das atividades produtivas
adotadas pelas empresas que produzem jogos nesse setor. Conforme indicadores de
importância estratégica e competência interna, informados pelas empresas, a
internalização parece ser a estratégia mais recorrente, e as evidências
apresentadas apontam que a adoção dessa forma de coordenação busca atacar os
custos de transação, em especial aqueles atrelados a ativos de conhecimento e
experiência, referentes à qualificação requerida para a produção dos jogos.
Tais evidências estão alinhadas com as contribuições de Williamson (1975) e
Geyskens, Steenkamp e Kumar (2006), que justificam a necessidade de altos
investimentos em ativos específicos como importante fator de impacto nos custos
transacionais. Tal realidade, segundo os dados levantados, parece associada à
própria incipiência da indústria brasileira de jogos eletrônicos, ainda carente
em termos de profissionais qualificados para a produção deles.
Apesar da predominância da produção interna,
conforme teorizações dos autores e evidências da pesquisa, pode-se verificar o
potencial da emergente forma de coordenação das atividades produtivas, através
da cooperação, que vem sendo adotada por algumas empresas. Embora ainda pouco
explorado, tal fato indica um caminho alternativo, entre as formas clássicas de
produzir ou contratar, conforme orienta a Matriz CPC (CHILD; FAULKNER; TALLMAN,
2005).
As evidências demonstraram que essas estratégias
colaborativas trouxeram ganhos de flexibilidade, desenvolvimento de novos
produtos, coespecialização, maior escala, aprendizado, melhoria de processos e
redução de incertezas, como já apontado por outros estudos em setores diversos
(EBERS; JARILLO, 1998). Por outro lado, visam também mitigar os custos de
transação, especialmente relacionados à redução do oportunismo e aos
investimentos em ativos específicos. Tais resultados complementam outros
estudos que evidenciam o potencial competitivo das estratégias colaborativas no
contexto internacional, como por exemplo Jacobides e Billinger (2006) e
Geyskens, Steenkamp e Kumar (2006), e de estudos brasileiros, como Balestrin e
Verschoore (2008).
Ademais, este artigo procurou atender à escassez de
estudos empíricos sobre a indústria de jogos, fato recorrente na literatura
científica mundial de estudos organizacionais, em especial com relação ao
contexto brasileiro. Nesse aspecto, os dados apresentados ilustraram um
contraponto entre duas realidades estratégicas nas empresas de jogos: o
predomínio de estratégias competitivas individualistas - o cavaleiro solitário
(ASTLEY, 1984) e, por outro lado, a emergência do uso de estratégias
colaborativas (JARILLO, 1993). Para o campo empresarial, espera-se que tais
resultados provoquem reflexões sobre novas práticas gerenciais nas indústrias
criativas, em especial aquelas que considerem o potencial da colaboração
interorganizacional como fonte de vantagens competitivas, a exemplo do que foi
evidenciado, de forma emergente, no caso da indústria de jogos eletrônicos.
Para finalizar, percebe-se a necessidade de
investigações mais amplas que permitam melhor entender as diferentes
condicionantes das estratégias de coordenação das atividades produtivas na
indústria de jogos. Nesse sentido, salienta-se que as teorizações apresentadas
são preliminares e visam, sobretudo, estimular novas investigações científicas
no campo de estratégia sob a perspectiva emergente da colaboração, das relações
interorganizacionais e dos custos de transação. Ressalta-se, também, que as
evidências aqui apresentadas são resultado de um projeto mais amplo que está
sendo desenvolvido pelos autores, buscando aprofundar o entendimento do
contexto brasileiro e internacional da indústria de jogos eletrônicos. Aos
interessados no tema, outros assuntos, como, por exemplo, propriedade
intelectual, capital de risco, pirataria e governança, que são de elevada
importância na dinâmica competitiva dessa indústria, ainda necessitam de maior
aprofundamento e compreensão.
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Recebido 22/06/2009; Aceito 19/02/2010
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